terça-feira, 21 de setembro de 2010

O advogado e as dívidas dos clientes

Tem sido atribuída a advogados - em evidente cerceamento do seu direito ao exercício profissional - a responsabilidade por dívidas tributárias, previdenciárias e até trabalhistas de seus clientes, em decorrência de requerimentos formulados por procuradores da Fazenda Pública, e pelos colegas que militam na Justiça do Trabalho, em defesa de empregados.

Esses requerimentos têm encontrado abrigo em algumas decisões judiciais, que não só não aceitam excluir liminarmente os advogados do polo passivo das demandas, como ainda afirmam que demandaria prova de matéria de fato a distinção, que é exclusivamente jurídica, entre sócio ou acionista, gerente ou administrador e procurador do sócio.

Nos casos em que pretendem instar-se no Brasil, clientes estrangeiros outorgam procuração a advogados brasileiros, para representá-los na constituição, na subscrição de capital e em demais atos societários, inclusive na delegação de poderes de gerência.

Na maioria dos casos, os próprios clientes estrangeiros são os acionistas ou quotistas da sociedade brasileira, figurando também como seus administradores ou gerentes, salvo no caso de sociedades anônimas.

Ocorre às vezes que, mesmo não sendo gerentes, e nem sócios ou acionistas, mesmo não tendo ingerência sobre o recolhimento, ou não, de tributos, não contratando ou dispensando empregados, e nem deixando de pagar seus salários, os advogados, representantes dos sócios ou dos acionistas, são chamados a assumir a responsabilidade pessoal e solidária por dívidas tributárias, previdenciárias e trabalhistas da sociedade.

Existem efetivamente, em matéria tributária e previdenciária, dispositivos - Código Tributário Nacional (CTN), artigos 134 135 - que, combinados, possibilitam a atribuição de responsabilidade pessoal aos sócios, gerentes e administradores de sociedades. Além do CTN, para débitos previdenciários aplicava-se a Lei nº 8.620, de 1993 (art. 13).

Os dispositivos são claros: a atribuição de responsabilidade a sócios, acionistas, gerentes ou administradores só se opera quanto "aos atos em que intervierem...", e desde que "...praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos..."

No caso da dívida previdenciária a responsabilidade, independentemente de infração, era atribuída apenas aos sócios, conforme art. 13 da Lei nº 8.620, 1993, revogado pela Lei nº 11.941, de 2009, pelo que no caso de gerentes ou administradores não sócios prevalece a exigência de infração à lei, aos estatutos ou ao contrato social, prevista no CTN.

Disposições basicamente idênticas encontram-se no Código Civil, artigos 1016 e 1080, sempre exigindo imprudência, negligência ou imperícia, ou violação da lei ou do contrato, e na Lei de Sociedade Por Ações, art. 158.

Ora, o advogado, ao receber procuração, está exercendo sua atividade profissional, nos exatos e precisos termos dos poderes conferidos pelo cliente e até, algumas vezes, por imperativo legal. "...Consultoria, assessoria e direção jurídicas", aposição de visto e portanto aprovação, sob pena de nulidade, dos atos e contratos constitutivos de pessoas jurídicas (Estatuto da OAB, art. 1º), são privativos de advogados inscritos na OAB.

Também assim a representação do acionista nas assembléias será feita por outro acionista, administrador, ou por advogado (LSA, art.126). Nas sociedades por ele disciplinadas, o Código Civil também exige que a representação seja feita por outro sócio ou por advogado (art. 1074).

Aliás, no caso de sócio quotista ou acionista, residente no exterior, existe obrigação legal de manter no país representante, com poderes para receber citação nas ações propostas contra tal acionista ( artigo 119 da Lei nº 6.404, de 15.12.1976).

Essas atividades do advogado - no mais das vezes privativas- não se confundem e nem podem ser confundidas com atos de gerência ou administração de sociedade. Como regra geral os atos constitutivos das sociedades indicam expressamente qual dos sócios exercerá a gerência da sociedade, dispondo ainda sobre a delegação de tais poderes de gerência, por instrumento averbado no registro de comércio.

Portanto, os gerentes e administradores das sociedades são conhecidos, nomeados nos atos constitutivos, ou em instrumento apartado, registrado na Junta Comercial ou no registro civil. Ainda que o advogado subscreva, como procurador de seu cliente, os atos constitutivos ou mesmo o instrumento de nomeação de gerente delegado, não se torna ele, advogado, também gerente da sociedade.

A questão é estritamente jurídica porque o advogado, para provar sua condição de mero procurador só pode apresentar em juízo os atos constitutivos da sociedade, e demais instrumentos societários que mostram quem legal e efetivamente é o gerente. Afora isso, exigir do advogado que produza prova negativa (já chamada de "diabólica" e "tortuosa") ultrapassa os limites do bom senso e da lógica.

O anteprojeto do Código de Processo Civil traz inovações nessa matéria, especialmente em relação ao procedimento para desconsideração de personalidade jurídica, e ao ônus da prova, mas ainda tem longo caminho a percorrer.

(*) Sócio e coordenador nacional da área tributária de Pinheiro Neto Advogados


Fonte: Valor Econômico, por José Roberto Pisani, 20.09.2010

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Tribunais protestam devedores em cartório

A vida dos devedores deve ficar ainda mais difícil, no que depender da Justiça do Trabalho. Depois da penhora on-line de contas bancárias, de imóveis e automóveis, alguns tribunais começaram a protestar débitos em cartório e negativar os nomes dos devedores em órgãos de proteção de crédito.

O Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 2ª Região, que engloba São Paulo e região metropolitana e a baixada santista, foi o pioneiro nessa iniciativa. Só neste ano, são 478 certidões de crédito trabalhista emitidas, que cobram cerca de R$ 17 milhões.

Neste mês, o TRT da 15ª Região, em Campinas (SP), também começou a protestar títulos trabalhistas. Mas a Corte foi além e firmou ontem um convênio para que os magistrados possam incluir os nomes dos devedores na Serasa Experian. A iniciativa também já está sendo estudada pelos TRTs dos Estados do Piauí e do Mato Grosso.

A possibilidade de protesto, no entanto, só deverá ser usada como último recurso, depois de esgotadas todas as tentativas de execução, incluindo a penhora on-line de contas bancárias e bens, segundo recomendação dos tribunais. O protesto, quando aplicado, será imediato, pois os juízes podem requerer a medida por um sistema on-line, desenvolvido com institutos de protestos. A negativação vale para todo o país.

Segundo a juíza auxiliar da presidência do TRT de São Paulo, Maria Cristina Trentini, o protesto tem como objetivo "retirar o devedor da zona de conforto, para que ele não esqueça do crédito trabalhista".

Isso porque, ao não localizar ativos financeiros e bens em seu nome, não haveria outra forma de cobrar o pagamento da dívida. Para ela, no entanto, com a instituição do protesto, o tempo no qual "uma sentença valia menos do que um cheque sem fundo usado para pagar a conta em um botequim" acabou.

Dos protestos firmados em São Paulo, cerca de 1% dos devedores já encerraram suas dívidas em cartório, segundo a juíza. Apesar de parecer pouco, ela afirma que isso é significativo na medida em que essas quantias não seriam até então pagas.

Segundo ela, valores de até R$ 10 mil têm sido quitados à vista, mas quando envolvem valores maiores, os devedores têm proposto parcelamento. "Nesse caso, o juiz manda retirar a negativação", explica. O convênio do TRT de São Paulo foi firmado com o Instituto de Protesto de Títulos de São Paulo em 2008, mas o sistema só começou a funcionar em 2010.

Com mais de 380 mil processos sem pagamento, o TRT da 15ª Região firmou um convênio com a Serasa Experian para também agilizar as execuções trabalhistas. Essa negativação "só poderá ser feita em relação às decisões trabalhistas definitivas, contra as quais não cabe mais recurso", afirma o presidente do TRT de Campinas, Luís Carlos Cândido Martins Sotero da Silva. A inclusão de devedores deverá começar em 60 dias.

Esse é o primeiro convênio firmado entre a Serasa e um tribunal trabalhista. "Mas outros três tribunais regionais já nos procuraram", afirma o diretor jurídico para América Latina da Serasa Experian, Silvânio Covas. "Nossa função é potencializar a execução."

Em junho, a Corte já havia firmado convênio com o Instituto de Estudos de Protestos de Títulos do Brasil - Seção São Paulo. Segundo Covas, negativar o nome do devedor por meio da Serasa é mais abrangente do que protestar. Isso porque todas as empresas que contratam serviços da Serasa Experian, como de avaliação de crédito, têm acesso a essas informações.

A Serasa fornece quatro milhões de informações por dia. O diretor jurídico argumenta ainda que não há custo para o devedor que retirar seu nome, o que facilita o pagamento. "Nos protestos em cartório devem ser pagos os emolumentos", diz.

A inscrição do nome dessas empresas nos órgãos de proteção ao crédito pode prejudicar as atividades das empresas, segundo o advogado Eduardo Maximo Patrício, do Gonini Paço, Maximo Patrício e Panzardi Advogados.

"A companhia que está com o nome sujo no cadastro não consegue obter empréstimo, o que pode fazer com que ela não consiga pagar a condenação por falta de dinheiro", afirma. O advogado também ressalta que a medida pode forçar companhias a pagar altos valores de condenações, ainda que discorde.

Maximo afirma que deverá entrar na Justiça se o protesto atingir algum cliente seu . "Trata-se de uma medida coercitiva, não disposta na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). A Justiça Trabalhista já tem outras formas de cobrar essas dívidas, previstas em lei."

O advogado Geraldo Baraldi, do Demarest & Almeida Advogados, espera que se utilize o instrumento com cautela para não haver abusos, como ocorrem, em alguns casos, nas penhoras on-line de contas bancárias.

Esses abusos, segundo Fabiana Fitipaldi Dantas, advogada da área trabalhista do escritório Mattos Filho Advogados, acontecem em razão da despersonalização da pessoa jurídica, aplicada pelos juízes para que sócios ou administradores sejam cobrados em nome de dívidas trabalhistas contraídas pelas respectivas empresas.

O problema é que são comuns os casos de ex-sócios responsabilizados. "Também são comuns os casos em que a empresa é acionada por funcionário terceirizado. Mas quem deixou de pagar foi a empresa terceirizada", lembra.


Fonte: Valor Econômico, por Adriana Aguiar e Laura Ignácio, 16.09.2010

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

EXTRA - TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS Condena a Eletrobrás em Ação Ordinária de Cobrança das Debêntures da Eletrobrás

Processo nº: 077/1.07.0002274-0 (CNJ:.0022741-94.2007.8.21.0077)
Natureza: Cobrança
Autor: Indústria e Comércio de Confecções Sobremonte
Réu: Centrais Elétricas Brasileiras S/A
Juiz Prolator: Juiz de Direito - Dr. João Francisco Goulart Borges
Data: 09/09/2010

Vistos etc.

INDUSTRIA E COMERCIO DE CONFECÇÕES SOBREMONTE LTDA., devidamente qualificada, ajuizou Ação Ordinária de Cobrança em face de CENTRAIS ELÉTRICAS BRASILEIRAS S.A, igualmente qualificada.
Em síntese, sustenta ser proprietária de uma debênture série “CC”, emitida pela ré, no ano de 1972, número: 039857. Discorreu sobre o empréstimo compulsório instituído em lei, das debêntures, resgate das debêntures que seria de 20 anos, dilação do vencimento, com possibilidade de conversão em ações da Eletrobrás. Sequência das modificações introduzidas – empréstimo compulsório já recolhido, sem que tenha havido emissão das debêntures, empréstimo compulsório cujas contas já havia sido trocadas por debêntures -, inexistência de litisconsórcio passivo necessário da União Federal, competência em função da matéria (Justiça Comum Estadual).
Ainda, da prescrição – início do prazo prescricional para exigir pagamento das debentures da Eletrobrás, prazo prescricional das sociedades de economia mista, aplicação do Código Civil, matéria pacificada no Superior Tribunal de Justiça, inaplicabilidade no caso concreto, do art. 1º do Dec. 20910/32, da renúncia e da interrupção da prescrição. Sobre a correção monetária, os índices, do reconhecimento pelo STJ da validade das debêntures.
Do pedido: a procedência da ação, sendo a requerida condenada no resgate dos títulos, corrigidos monetariamente e acrescidos de juros, em dinheiro ou equivalente em ações.
Citada, a demandada apresentou Contestação às fls. 66/99. Expôs da demanda, alegando esta não encontrar óbice na legislação aplicável, vez que os créditos estão atingidos pela decadência e a ação extirpada pela prescrição. Da necessária inclusão da União no pólo passivo, da competência da justiça federal, da necessária extinção da demanda pela decadência do direito ao resgate do título e pela prescrição do direito de ação – do decurso do prazo, da prescrição da ação.
Do mérito: pontuou sobre a diferenciação entre obrigações ao portador e debêntures, da origem das obrigações ao portador emitidas pela Eletrobrás, do procedimento para recebimento de juros e resgate do título, da correção monetária, previsão constitucional e jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, da inaplicabilidade da taxa Selic. Dos honorários advocatícios.
Do pedido: seja incluída a União no pólo passivo, seja declarada a prescrição dos títulos, pelo princípio da eventualidade, se houver condenação a ré, que os títulos sejam corrigidos pelos critérios de correção monetária previstos na legislação específica da exação em tela.
Em réplica (fls. 130/136), o autor refutou os argumentos esposados na contestação, repisando as alegações iniciais.
Perguntados à respeito das provas que pretendem produzir, veio aos autos o autor referir que pretende realizar provas juntando acórdão de Apelação Civil nº 70022811640, onde a matéria é idêntica a dos autos – fls. 207/211. Já a demandada, requereu seja anexado aos autos os documentos originais, juntamente com a prova pericial grafotécnica, protesta também pela produção de provas através de perícia contábil – fls. 212/213.
Manifestou-se o autor no sentido de juntar aos autos os documentos originais, acrescidos de laudo pericial documentoscópico e laudo de atualização monetária – fls. 217/236.
Diante da exposição do perito à respeito dos valores cobrados, desiste da perícia a parte demandada – fls. 242, requerendo o julgamento antecipado da lide.
Vieram os autos conclusos.
É O RELATO.
PASSO A DECIDIR.
Rejeito as preliminares. A ação está bem endereçada à Justiça Estadual, não tendo a União interesse algum na causa diante da expressa renúncia do crédito em relação a mesma, não havendo lugar para deslocamento da competência em favor da Justiça Federal.

PROCESSUAL CIVIL - OFENSA AO ART. 47 DO CPC - PREQUESTIONAMENTO AUSENTE - INADMISSIBILIDADE EMPRÉSTIMO COMPULSÓRIO DE ENERGIA ELÉTRICA - AÇÃO DE COBRANÇA - OBRIGAÇÕES AO PORTADOR - COMPETÊNCIA.
1. É inadmissível o recurso especial quanto à questão não decidida pelo Tribunal de origem, dada a ausência de prequestionamento. Inteligência do Enunciado nº 282 da Súmula do STF.
2. Segundo a jurisprudência desta Corte, a legitimidade para discutir o empréstimo compulsório de energia elétrica e sua devolução é unicamente da ELETROBRÁS, em favor de quem foi instituído o empréstimo. Em consequência, a competência para dirimir a controvérsia é da Justiça Estadual.
3. Excepcionalmente, quando a União ingressa no feito demonstrando interesse, nos termos do art. 5º da Lei 9.469/97, deve-se proceder ao deslocamento para a Justiça Federal, o que não ocorre na hipótese dos autos.
4. Recurso especial parcialmente conhecido e não provido.
(Recurso Especial nº 1018509/DF (2007/0305694-5), 2ª Turma do STJ, Rel. Eliana Calmon. j. 24.03.2009, unânime, DJe 23.04.2009).
Esta renúncia é perfeitamente legal e possível, beneficiando a União e vinculando a empresa autora ao orçamento da empresa pública quando do recebimento do que lhe é devido.
Sobre a matéria, inicialmente, importa anotar que a Lei n.º 4.156/1962 possibilitou à Eletrobrás a tomada de obrigações resgatáveis do consumidor de energia elétrica, estabelecendo que a devolução ocorresse no prazo de dez anos, prazo este que foi prorrogado posteriormente para vinte anos.
Já o Decreto-Lei n.º 644/1969, que regulamentou o prazo de resgate em dinheiro, não fixou prazo para que os credores reclamassem seus direitos, de modo que se legitima para a cobrança o portador das debêntures.
Tenho até que o Estado Brasileiro abriu mão dos benefícios que a lei tributária lhe confere ao efetuar o empréstimo compulsório junto aos consumidores de energia elétrica, possibilitando, assim, os investimentos necessários na Eletrobrás, emitindo as debentures e instituindo um dilatado prazo de vinte anos de carência, prazo em que a empresa poderia respirar, ampliar suas redes, atrair novos consumidores e assim capitalizar-se, para somente então pagar o empréstimo tomado.
Abriu mão porque escolheu a forma de devolução, entregando aos consumidores debêntures, com registro no CRI, título nitidamente civil, tais como a letra de câmbio, a nota promissória, a duplicata e o cheque, como que induzindo aos cidadãos brasileiros consumidores da energia de então a acreditar que as regras do direito civil seriam respeitadas quando do resgate. Se entregasse um cheque, por certo que os consumidores acreditariam que os prazos da lei do cheque seriam observados, se fosse nota promissória também. Portanto, se escolheram debêntures como forma de materialização do crédito representativo do empréstimo compulsório, então as regras são do direito civil, não do direito tributário, e, por conseguinte, não se aplica o prazo prescricional de cinco anos.
Não se trata de se poder ou não analisar a controvérsia pelo ângulo da qualificação jurídica da empresa que irá devolver o compulsório, mas sim de atentar para a natureza do título que a Eletrobrás entregou ao cidadão para assegurar a devolução do dinheiro objeto do empréstimo compulsório.
No caso, é bem verdade, se trata de devolução de uma espécie tributária, o empréstimo compulsório que o governo fez incidir sobre o consumo de energia elétrica. Mas a questão não é saber se perde o tributo a sua natureza jurídica no momento da devolução ou não, pois já perdeu no momento em que se optou por debêntures como forma de devolver o que compulsoriamente se tomou. Admitir o contrário é admitir que o Governo possa enganar o povo, pois é isso que ao fim e ao cabo estará acontecendo, pois quem recebe debênture naturalmente acredita que as regras aplicáveis são as que disciplinam esta forma de título, a lei civil.
O Governo Federal daquela época poderia assim deliberar, com o propósito de senão evitar, ao menos atenuar os naturais desgastes com a antipática medida de penalizar os consumidores de anergia com o empréstimo compulsório e não toda a sociedade civil que seria beneficiada com os investimentos em energia elétrica.
Também é de se indagar porque se optou por tributar consumidores de energia, os quais, em tese, não teriam um benefício maior, pois já estavam sendo beneficiados com o fornecimento de energia, e não toda a sociedade civil que seria beneficiada com o aumento da rede, como é próprio da ética tributária.
De qualquer sorte, entendo que não colhe a tese prescricional esgrimida pela empresa ré, sendo assente na jurisprudência do STJ que a prescrição quinquenal, prevista pelo Decreto n.º 20.910/32, não beneficia empresa pública, sociedade de economia mista ou qualquer outra entidade estatal que explore atividade econômica (REsp n.º 897.091/MG, Rel.ª Min.ª Eliana Calmon, 2.ª Turma). No mesmo sentido, REsp n.º 431.355/MG, Rel. Min. Franciulli Netto:
“A prescrição quinquenal, prevista no Decreto n.º 20.910/32, não beneficia empresa pública, sociedade de economia mista ou qualquer outra entidade estatal que explore atividade econômica”.
O TJRS vem decidindo neste mesmo sentido, conforme se pode observar nos julgados trazidos pela própria empresa autora e nos que destaco:
“A prescrição, em se tratando de ação de cobrança para resgate do valor relativo à debênture, é de 20 anos. Art. 177 do CC de 1916. Não incidência do prazo de cinco anos previsto no Decreto n.º 20.910/32, aplicável à Fazenda Pública.”
(Apelação Cível n.º 70021466925, Rel. Des. José Aquino Flores de Camargo, 20.ª Câmara Cível)
A empresa ré deve resgatar os títulos, efetuando o pagamento devido a empresa autora, legítima portadora e titular do crédito que eles contém, devidamente corrigido.
A correção monetária deve levar em conta, também, os prejuízos decorrentes dos planos governamentais e seus conhecidos expurgos inflacionários. Neste sentido, adota-se a Súmula nº 252 que reza que os saldos das contas do FGTS, pela legislação infraconstitucional, são corrigidos em 42,72% (IPC) quanto às perdas de janeiro de 1989 e 44,80% (IPC) quanto às de abril de 1990, acolhidos pelo STJ os índices de 18,02% (LBC) quanto as perdas de junho de 1987, de 5,38% (BTN) para maio de 1990 e 7,00%(TR) para fevereiro de 1991, de acordo com o entendimento do STF (RE 226.855-7-RS).
Não poderia ser diferente, pois a correção monetária não poderia desconhecer e desprezar a efetiva desvalorização da moeda nos expurgos inflacionários dos denominados planos de estabilização econômica, já reconhecido por matéria sumulada.
Sobre os juros remuneratórios, adota-se o que constou no título. Já quanto aos moratórios, são os juros legais, contados da citação e segundo o Código Civil de 1916, em vigor quando da constituição do título.
Sabe-se que a orientação tende a mudar, como já mudou tantas outras vezes nesse país, a exemplo das ações da CRT, do compulsório da TRU, da prescrição nas ações em que os poupadores foram prejudicados pelos expurgos inflacionários, mais recentemente em relação ao repasse do PIS e COFINS aos consumidores do serviço, mas enfim, no caso em tela é uma questão de entendimento pessoal, não de ajustamento.
Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE a ação para condenar a Eletrobrás a pagar a empresa autora Indústria e Comércio de Confecções Sobremonte ltda., legítima portadora das debêntures acostadas à inicial, o valor nos títulos consignados, acrescidos de correção monetária desde os respectivos vencimentos, adotando-se os indexadores oficiais ( IPC, IGPM) e, também, aqueles ditados pela Súmula 252 do STJ, nos períodos a que se refere, cumuláveis anualmente, acrescidos de juros legais conforme o que constar no verso dos títulos, ou seja, 6% ao ano, e juros de mora conforme a lei da época da constituição da dívida, art. 1.062 do CC/16.
Condeno a ré ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios que fixo em 5% sobre o valor da condenação.
Publique-se.
Registre-se.
Intimem-se.
Venâncio Aires, 09 de setembro de 2010.


João Francisco Goulart Borges,
Juiz de Direito

Fonte: TJRS

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Contribuição previdenciária não incide sobre aviso prévio indenizado

O aviso prévio indenizado tem natureza indenizatória e, por isso, não incide sobre ele a contribuição previdenciária. Esse é o entendimento da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que rejeitou os argumentos apresentados em um recurso especial da Fazenda Nacional.

O relator do recurso, ministro Mauro Campbell Marques, ressaltou que, a partir da Emenda Constitucional n. 20/98, a Constituição Federal deixou de restringir a incidência da contribuição à folha de salários. Segundo ele, para definir com exatidão as hipóteses de incidência do tributo, é preciso analisar a regra matriz, contida na Lei n. 8.212/1991, que institui a contribuição social.

Conforme o artigo 23 da referida lei, o campo de incidência da contribuição social alcança o total das remunerações pagas, devidas ou creditadas a qualquer título, destinadas a retribuir o trabalho prestado, qualquer que seja sua forma. Ou seja, o tributo incide sobre verba de caráter salarial.

Mauro Campbell analisou a natureza do aviso prévio indenizado segundo a regra do artigo 487 da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho). Ele constatou que o benefício visa reparar o dano causado ao trabalhador que não foi alertado sobre a rescisão contratual com a antecedência mínima estipulada na CLT. Dessa forma, o ministro concluiu que não há como se conferir à referida verba o caráter salarial pretendido pela Fazenda Nacional porque ela não retribui um trabalho, mas sim repara um dano.

Uma vez caracterizada a natureza indenizatória do aviso prévio indenizado, aplica-se a jurisprudência consolidada no STJ segundo a qual não incide contribuição previdenciária sobre verbas de caráter indenizatório. O relator destacou que o próprio Tribunal Superior do Trabalho tem diversos julgados afastando a natureza salarial do aviso prévio indenizado.

Outra tese apresentada pela Fazenda Nacional, no recurso, defende que a redação original do parágrafo 9º do artigo 28 da Lei n. 8.212/91 excluía expressamente o aviso prévio indenizado da base de cálculo do salário de contribuição. Argumenta que a redação atual, contida na Lei n. 9.528/1997, não faz mais essa exclusão, permitindo assim a tributação. Para o ministro Mauro Campbell, a regra de incidência do tributo deve ser interpretada a partir do veículo normativo que o institui e não pela regra que o excepciona.

Seguindo as considerações do relator, todos os ministros da Segunda Turma negaram provimento ao recurso da Fazenda Nacional.

Fonte: STJ - Coordenadoria de Editoria e Imprensa

Bancária que engravidou durante aviso-prévio não obtém estabilidade

Uma empregada do banco Bradesco não obteve êxito no Tribunal Superior do Trabalho, ao pretender ver revertida decisão do Tribunal Regional da 18ª Região (GO) que lhe negou o direito à estabilidade no emprego, por ter engravidado quando estava no período de aviso-prévio, pago em dinheiro.

De acordo com o ministro Fernando Eizo Ono, relator do recurso de revista da bancária na Quarta Turma do TST, as divergências jurisprudenciais apresentadas no apelo não atendem aos requisitos técnicos para o conhecimento do recurso. Por esse motivo, o mérito da questão não pode ser examinado e julgado, ficando assim mantida a decisão regional.

Tal como a sentença do primeiro grau, o Tribunal Regional entendeu que a gravidez ocorrida durante o aviso-prévio pago em dinheiro não assegurava estabilidade à empregada e indicou como fundamento a Súmula 371 do TST. A súmula estabelece que “a projeção do contrato de trabalho para o futuro, pela concessão do aviso prévio indenizado, tem efeitos limitados às vantagens econômicas obtidas no período de pré-aviso”.

Apesar de não concordar com a tese do TRT, a ministra Dora Maria da Costa votou com o relator, em decorrência dos entraves para o conhecimento do recurso, mas observou que a Quarta Turma vem adotando, para aqueles casos, o entendimento que “se a gravidez ocorreu durante o aviso, não importa que seja indenizado ou não”.

O relator informou que os julgados apresentados no recurso da bancária, que permitiriam o exame do mérito, ora não indicam fonte de publicação, como exige a Súmula 337 do TST; ora não tratam da mesma hipótese dos fatos demonstrados nos autos: gravidez ocorrida no curso do aviso-prévio pago em dinheiro, incidindo a Súmula 296 do TST. A decisão foi por unanimidade.


(RR 82500-60.2009.5.18.0171)


Fonte: Tribunal Superior do Trabalho, por Mário Correia, 14.09.2010

Pensão vitalícia não pode ser compensada com aposentadoria por invalidez

É indevida a compensação de pensão vitalícia, paga como indenização, com os proventos de aposentadoria por invalidez. Por considerar serem obrigações distintas, a Seção I Especializada em Dissídios Individuais (SDI-1) do Tribunal Superior do Trabalho manteve a condenação da Caixa Econômica Federal (CEF) ao pagamento de pensão vitalícia a uma empregada que trabalhou como caixa executivo e adquiriu LER/DORT, ficando com limitações físicas até para exercer atividades do seu cotidiano.

A CEF, após ver seu recurso de revista não conhecido pela Sétima Turma, apelou para a SDI-1. No julgamento dos embargos, nem todos os ministros acompanharam o voto da relatora, a ministra Maria de Assis Calsing, que negava provimento ao recurso da Caixa Econômica.

Os ministros Maria Cristina Peduzzi, João Batista Brito Pereira, Renato de Lacerda Paiva e Aloysio Corrêa da Veiga davam provimento para excluir a pensão da condenação. Prevaleceu o voto da relatora e, assim, além de indenização por danos morais de R$ 50 mil, a trabalhadora receberá a indenização por danos materiais - a pensão vitalícia -, descontado o valor pago pela Fundação dos Economiários Federais (Funcef) para complementar a aposentadoria da funcionária.

Para o ministro Aloysio, que votou contra o pagamento acumulado da indenização com a aposentadoria, “não há redução do potencial econômico da trabalhadora”, porque ela recebe a mesma remuneração de antes da aposentadoria, complementada pela empresa. Esse é o argumento utilizado pela Caixa, ao sustentar que a decisão mandando pagar a pensão possibilita enriquecimento sem causa da empregada, pois não houve dano material.

De acordo com a CEF, a trabalhadora continua obtendo exatamente o que ganhava em atividade, já que, além da aposentadoria paga pelo INSS, recebe a verba de complementação de aposentadoria pela Funcef, que é a parcela de contribuição previdenciária mais pesada.

Segundo a ministra Calsing, a argumentação da CEF confunde a noção de dano com a de reparação do dano. De acordo com a ministra, o dano, no caso, ocorre com a impossibilidade de a profissional obter os salários recebidos anteriormente, em virtude da perda da sua capacidade de trabalho.

A relatora esclarece que a responsabilidade civil do empregador baseia-se nos artigos 7º, XXVIII, da Constituição Federal e 950 do Código Civil Brasileiro, tendo este último artigo aplicação desde que a inabilitação ocorra em relação à atividade exercida pela vítima, com o valor da pensão sendo correspondente.

Observa, ainda, que, pela “natureza jurídica reparatória, impõe-se que seja viabilizada, por meio da indenização, a restauração da situação anterior, compondo o que efetivamente o trabalhador deixou de receber em virtude da moléstia profissional, causada pelo seu empregador”.

Nesse mesmo sentido, em precedente citado pela Sétima Turma no exame do recurso de revista, o ministro Ives Gandra Martins Filho explica que “se os proventos da aposentadoria efetivamente restabelecessem as coisas na mesma situação em que se encontrava o lesado, este poderia, uma vez jubilado, obter novo trabalho, duplicando sua fonte de renda.

No entanto, a incapacitação total ou parcial do lesado impõe que a indenização pelos danos materiais sofridos leve em conta essa circunstância, como também o fato de que o jubilado por invalidez passa a ter diminuída sua capacidade para o desenvolvimento normal de suas atividades vitais”.

Obrigações distintas

Ao expor seu posicionamento, a ministra Calsing revela não ser razoável compensar o valor pago a título de pensão com os proventos de aposentadoria, por se tratar de obrigações distintas, uma derivada do direito comum, outra de natureza previdenciária.

E ressalta que isso é o que se depreende dos artigos 7º, XXVIII, da Constituição Federal e 121 da Lei 8.213/91, em que se define que as prestações pagas por acidente de trabalho pela Previdência Social não excluem a responsabilidade civil da empresa.

Dessa forma, entende a relatora, o dano não pode ser apurado “pela ausência de prejuízo”, concluindo que, ainda que se cogite que a trabalhadora possa alcançar condição financeira bem superior a que tinha antes de ocorrido o dano, “é inequívoco que tal situação decorre da vontade da lei”.

Em seu voto, a ministra explica, ainda, que o Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região (GO) autorizou a dedução da importância correspondente à complementação de aposentadoria paga pela Funcef do valor da pensão, o que ocasiona o não recebimento, pela trabalhadora, da totalidade dos valores, como foi alegado pela CEF. Por maioria, a SDI-1 adotou o voto da relatora e negou provimento aos embargos da CEF.

( E-RR - 51100-36.2005.5.18.0052 )


Fonte: Tribunal Superior do Trabalho, por Lourdes Tavares, 13.09.2010

Dispensa fundamentada em relação de parentesco é discriminatória

No recurso analisado pela 10a Turma, o trabalhador pretendeu convencer os julgadores de que a sua dispensa foi discriminatória. E convenceu a maioria. Isso porque o argumento para a ruptura contratual foi o fato de o reclamante ser irmão de um ex-empregado das empresas.

Ou seja, ele foi mandado embora em virtude de uma situação familiar. No entender da maior parte da Turma, o motivo para a dispensa não é juridicamente relevante e viola claramente o artigo 1o, da Lei 9.029/95, que proíbe qualquer prática discriminatória e limitativa do acesso à relação de emprego, ou sua manutenção.

A juíza convocada Taísa Maria Macena de Lima esclareceu que o empregado foi contratado por uma empresa prestadora de serviços, para trabalhar em uma empresa de meio ambiente, no caso, a tomadora de serviços.

Embora essa empresa negue que a rescisão do contrato tenha ocorrido pelo parentesco do trabalhador, a prestadora de serviços reconheceu expressamente que, na entrevista de contratação, o reclamante omitiu que tinha um irmão que já havia trabalhado na empresa contratante.

Essa, por sua vez, entendendo que houve quebra de confiança, solicitou que a prestadora de serviços enviasse outro trabalhador para o lugar do reclamante, o que acabou causando a dispensa do empregado.

Para a relatora, não há dúvida de que as empresas praticaram um ato discriminatório contra o trabalhador, em virtude do seu parentesco com um ex-empregado da empresa contratante. Conforme destacou a magistrada, eventual falta cometida pelo irmão, o que nem mesmo foi alegado, não desacreditaria a pessoa do reclamante.

Nesse contexto, não há qualquer razão as empresas concluírem pela má fé do empregado, ao não declarar o parentesco com o ex-empregado. Mesmo porque ele foi questionado apenas a respeito do seu pai e sua mãe e informou os respectivos nomes. Dessa forma, o silêncio do trabalhador, quanto ao irmão, não caracteriza quebra de confiança.

“Em suma, não tendo as reclamadas apresentado motivo juridicamente relevante que legitime a ruptura contratual do reclamante pelo fato de ele ser irmão de ex-funcionário delas, tem-se como discriminatória, nos moldes do art. 1o da Lei n. 9.029/95, a rescisão antecipada do contrato que, aliás, já foi pactuado em modalidade sabidamente precária (trabalho temporário)” - ressaltou a juíza convocada, dando provimento ao recurso do trabalhador, para condenar as empresas ao pagamento de indenização por dano moral, no valor de R$1.500,00, no que foi acompanhada pela Turma, por maioria de votos.


( RO 01546-2009-091-03-00-0 )


Fonte: Tribunal Regional do Trabalho 3ª Região Minas Gerais, 13.09.2010

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