Na semana passada, a Eletrobrás, a gigante estatal do setor elétrico, livrouse, pelo menos temporariamente, de um choque em suas contas. O julgamento de uma ação contra a empresa no Superior Tribunal de Justiça foi mais uma vez adiado e, com ele, a possibilidade de um rombo de R$ 3,5 bilhões – valor que poderá atingir R$ 10 bilhões nas próximas etapas do processo.
Trata-se daqueles processos que se arrastam por décadas, tornando-se uma longa e intricada novela jurídica. Vamos rapidamente aos capítulos. A origem do assunto está em um compulsório criado no início dos anos 60 pelo governo federal para levantar recursos para investimentos na expansão do sistema de distribuição de energia do País.
Na década seguinte, a cobrança passou a ser feita apenas para os chamados grandes consumidores – na verdade, nem tão grandes assim já que se encaixavam nessa categoria quem usasse mais de dois mil quilowatts por mês, o que incluiria até pequenos negócios, como padarias. A Eletrobrás devolveria os recursos aos contribuintes de duas formas: ou em dinheiro ou em ações da companhia. Até a extinção do compulsório, em 1993, a empresa pagou a dívida em alguns lotes, sempre com a emissão de ações. Tudo bem, se não fosse um detalhe. Segundo José Carlos Pereira, advogado de cinco mil empresas, a Eletrobrás “recolhia o dinheiro mensalmente, mas o contabilizava anualmente, em valores nominais”. Ou seja, durante as décadas de 80 e 90, com a inflação na estratosfera, a empresa “esquecia” da correção monetária sobre os valores devidos.
Dessa forma, a conta atualizada bateria em cerca de R$ 12 bilhões. Contabilizadas apenas as demandas das companhias que ingressaram na Justiça, os valores caem para R$ 3,5 bilhões. “Mas parte dos demais consumidores lesados está aguardando o resultado do julgamento para reclamar seus direitos”, afirma Pereira.
Entre seus clientes estão Volkswagen, GM, Usiminas, Vale, Philips, GE, Alcoa, entre outros. O julgamento no STJ, última instância para esse tipo de matéria, começou em outubro do ano passado. Dois dos dez ministros proferiram votos favoráveis aos contribuintes. Antes que o terceiro se manifestasse, o ministro Benedito Gonçalves pediu vistas do processo. Desde então, a retomada do julgamento não ocorreu.
Na quarta-feira 24, entraria novamente na pauta, mas o advogado geral da União, José Antonio Dias Toffoli solicitou o adiamento sob a alegação que estaria presente em dois outros julgamentos no Supremo Tribunal Federal.
A demora na retomada do julgamento é interessante para a Eletrobrás e para o governo. O prazo de prescrição da causa termina no primeiro semestre de 2010. Enquanto não houver uma decisão definitiva até essa data, é provável que outras empresas não entrem com processo contra a estatal.
Assim, o estrago ficaria limitado aos R$ 3,5 bilhões. O governo tem se empenhado diretamente no assunto.
O ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, visitou o Tribunal para conversar com os juízes sobre o tema e o impacto nas contas públicas de uma decisão desfavorável para a Eletrobrás. Nesses encontros, Lobão chegou a falar em quebra da estatal caso tenha que pagar as correções.
O próprio envolvimento direto de Toffoli e seu pedido de adiamento do julgamento são vistos como sinal da importância que o governo está dispensando ao assunto. Procuradas, a Eletrobrás e a Advocacia-Geral da União não se pronunciaram sobre como pretendem administrar a possível descarga de R$ 12 bilhões no balanço da estatal.
Fonte: Autor: Joaquim Castanheira, Artigo da Revista Isto É Dinheiro - Edição 612 - 1 JULHO/2009