COM RESCISÃO INDIRETA, JOGADOR DO GAMA NÃO GANHA INDENIZAÇÃO MILIONÁRIA
O pedido de um jogador de futebol da Sociedade Esportiva do Gama para receber do clube o valor de R$ 1 milhão relativo à cláusula penal da Lei Pelé vem sendo negado na Justiça do Trabalho devido a uma peculiaridade: o contrato de trabalho do atleta previa especificamente que, no caso de rescisão por atraso no pagamento, a multa rescisória a favor do atleta seria a disposta no artigo 479 da CLT . Em outras palavras, com a rescisão indireta (situação em que o trabalhador pede judicialmente o fim do contrato de trabalho por motivo justo, uma espécie de justa causa invertida), o jogador deverá receber a metade da remuneração a que teria direito até o fim do contrato, mas não a indenização milionária.
A Sexta Turma do Tribunal Superior do Trabalho manteve a decisão da instância anterior porque, como concluiu o relator do recurso de revista, ministro Aloysio Corrêa da Veiga, "não há como determinar a condenação do clube ao pagamento da cláusula penal, nesse caso, porque o descumprimento contratual que foi motivo de debate não se imputa ao clube".
Ao ajuizar a reclamação trabalhista, o jogador pediu o reconhecimento da rescisão indireta do contrato de trabalho devido à inadimplência patronal e o recebimento de multa rescisória e da indenização de R$1 milhão. O valor corresponde ao estipulado na cláusula penal, prevista no artigo 28 da Lei 9.615 /1998 - conhecida como Lei Pelé - e cuja bilateralidade é muito debatida na Justiça do Trabalho.
O atleta foi contratado em janeiro de 2005, recebendo mensalmente R$ 5 mil, mas seu salário por contrato era de R$ 700. Segundo conta, o clube não lhe pagou os salários de março e abril de 2006 e não efetuou todos os depósitos de FGTS. A 21ª Vara do Trabalho de Brasília concedeu a rescisão indireta e deferiu a metade da remuneração a que teria direito o trabalhador até o fim do contrato (janeiro de 2008), nos termos do artigo 31 , parágrafo 3º , da Lei Pelé e do artigo 479 da CLT , e indeferiu a indenização decorrente da cláusula penal.
O jogador recorreu ao TRT da 10ª Região (DF/TO), que manteve a sentença quanto à cláusula penal. Inconformado, o atleta buscou o TST, que teve o mesmo entendimento. A sutileza da interpretação da lei é esclarecida pelo ministro Corrêa da Veiga: "Não se trata de rescisão antecipada do contrato de trabalho pelo clube, mas sim rescisão indireta pelo atleta, sendo do clube a obrigação de pagar a multa prevista no artigo 479 da CLT". O relator conclui que nada é devido pelo atleta ou pelo clube, "em conseqüência da extinção do contrato ser de iniciativa do atleta, mas não por sua culpa, valendo destacar que o clube se posicionou pela continuidade do contrato de trabalho, e o autor não se interessou". (RR-515/2006-021-10-00.0)
NOTAS DA REDAÇÃO
A notícia em tela cuida da rescisão INDERETA do contrato de trabalho, hipótese essa que se vislumbra na possibilidade de o trabalhador considerar rescindido o contrato de trabalho diante da prática, pelo empregador, de alguma falta grave.
As principais hipóteses de rescisão indireta estão previstas no artigo 483 da CLT , in verbis:
Art. 483 - O empregado poderá considerar rescindido o contrato e pleitear a devida indenização quando:
a) forem exigidos serviços superiores às suas forças, defesos por lei, contrários aos bons costumes, ou alheios ao contrato;
b) for tratado pelo empregador ou por seus superiores hierárquicos com rigor excessivo;
c) correr perigo manifesto de mal considerável;
d) não cumprir o empregador as obrigações do contrato;
e) praticar o empregador ou seus prepostos, contra ele ou pessoas de sua família, ato lesivo da honra e boa fama;
f) o empregador ou seus prepostos ofenderem-no fisicamente, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem;
g) o empregador reduzir o seu trabalho, sendo este por peça ou tarefa, de forma a afetar sensivelmente a importância dos salários.
O artigo 407 da CLT cuida de outro caso de rescisão indireta, que envolve o trabalho do menor aprendiz, e, se concretiza quando o empregador descumpre as medidas impostas por autoridade competente, que determina a sua remoção para outra atividade.
Art. 407 - Verificado pela autoridade competente que o trabalho executado pelo menor é prejudicial à sua saúde, ao seu desenvolvimento físico ou a sua moralidade, poderá ela obrigá-lo a abandonar o serviço, devendo a respectiva empresa, quando for o caso, proporcionar ao menor todas as facilidades para mudar de funções. Parágrafo único - Quando a empresa não tomar as medidas possíveis e recomendadas pela autoridade competente para que o menor mude de função, configurar-se-á a rescisão do contrato de trabalho, na forma do art. 483
Por fim, a Lei Pelé (Lei 9.615 /98), que, em seu artigo 31 dispõe que:
Art. 31. A entidade de prática desportiva empregadora que estiver com pagamento de salário de atleta profissional em atraso, no todo ou em parte, por período igual ou superior a três meses terá o contrato de trabalho daquele atleta rescindido, ficando o atleta livre para se transferir para qualquer outra agremiação de mesma modalidade, nacional ou internacional e exigir a multa rescisória e os haveres devidos.
§ 1º São entendidos como salário, para efeitos do previsto no caput, o abono de férias, o décimo terceiro salário, as gratificações, os prêmios e demais verbas inclusas no contrato de trabalho.
§ 2º A mora contumaz será considerada também pelo não recolhimento do FGTS e das contribuições previdenciárias .
Do que se vê, a rescisão indireta depende, necessariamente, do ajuizamento, pelo empregado, de ação trabalhista, na qual o Poder Judiciário analisará a conduta praticada pelo empregador, e, em sendo o caso, determinará a rescisão do contrato de trabalho, e, conseqüentemente, o pagamento dos direitos assegurados ao trabalhador.
Não há dúvidas que no caso em comento, o que se verifica é a rescisão indireta do contrato de trabalho, em razão do atraso no pagamento dos salários do jogador. Como o empregado é jogador de futebol, a norma aplicada é a Lei 9.615 /98, norma especial, que afasta a incidência da norma geral (CLT).
No entanto, ao tratar das verbas a serem pagas ao jogador, tanto o juiz de primeiro grau, como as instâncias superiores decidiram pela aplicação do artigo 479 da CLT , afastando assim, a aplicação da multa prevista como cláusula penal.
Vejamos o que dispõe o artigo 479 da CLT :
Art. 479. Nos contratos que tenham termo estipulado, o empregador que sem justa causa, despedir o empregado, será obrigado a pagar-lhe, a título de indenização, e por metade, a remuneração a que teria direito até o termo do contrato.
Parágrafo único. Para a execução do que dispõe o presente artigo, o cálculo da parte variável ou incerto dos salários será feito de acordo com o prescrito para o cálculo da indenização referente à rescisão dos contratos por prazo indeterminado.
A explicação apresentada pelos órgãos julgadores para a aplicação desse dispositivo foi exatamente o reconhecimento da rescisão indireta. Firmou-se entendimento no sentido de que a cláusula penal somente incidiria na hipótese de rescisão antecipada do contrato, por qualquer outro motivo, mas, como fora reconhecida a rescisão indireta, a norma aplicável é o artigo 479 da CLT .
Fonte: JusBrasil