quinta-feira, 7 de maio de 2015

Como eliminar o Judiciário da nossa vida?

Por Luiz Flávio Gomes
Para resolver o problema do Poder Judiciário (morosidade, estrutura deficiente, má-gestão etc.), a melhor coisa é eliminá-lo (o máximo possível) da tarefa de julgar os conflitos da vida diária. Judiciário deve ser como um remédio muito amargo: só se usa em caso de absoluta e imperiosa necessidade. Temos que incentivar a mudança de mentalidade assim como a resolução alternativa dos conflitos. Impõe-se cumprir o Preâmbulo da Constituição que fala em “solução pacífica das controvérsias”. Pacificar não é guerrear. Guerrear, salvo em caso de absoluta necessidade, é coisa de povos que não sabem dialogar.
O litígio judicial tem que ser a última coisa a se pensar na nossa vida. O novo Código de Processo Civil adotou esse espírito: primeiro tenta-se conciliar; só em último caso devemos litigar judicialmente. Na mesma linha está o projeto que regulamenta a mediação, aprovado recentemente pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados. A soma de milhões de acordos (ainda que imperfeitos) nunca será tão traumática e deletéria como uma dezena de processos judiciais (cada vez mais lotéricos e jurisprudencialmente exotéricos – verdadeira jurisIMprudência).
A função prioritária do advogado, no terceiro milênio, não tem mais nada a ver com a processualística (sim, com a mediação, conciliação, com o acordo). Inclusive no campo criminal essa é uma tendência mundial (por meio, por exemplo, da colaboração premiada, que tratei no nosso livro Organizações criminosas, Juspodivm, no prelo). Seus honorários devem ser ganhos prontamente, logo que concluído o acordo (seja no cível, seja no criminal). Tampouco as faculdades de direito deveriam insistir nesse espinhoso caminho da formação para o litígio judicial. A maior parte do tempo, nas faculdades, os alunos passam aprendendo a litigar (daí a relevância ímpar das disciplinas processuais). Nada é mais incompatível com o mundo contemporâneo (em que tudo é líquido e transitório – conforme Bauman -, salvo o processo judicial, que continua sólido em suas incongruências e extremamente demorado em sua temporalidade). O advogado não pode mais se formar pensando só em litigar. Litígio judicial somente em casos absolutamente raros. O locus primordial para a resolução dos conflitos não pode ser o fórum, sim, os escritórios.
Ouvido o cliente, não tem mais o advogado que já começar a pensar nas teses jurídicas que serão defendidas. As duas partes (ou os dois advogados) devem dialogar. Diálogo pelos próprios advogados ou por meio de mediadores. Cada escritório tem que se transformar num núcleo de mediação. O escritório é o campo da pacificação. Não se trata mais de desde logo tentar adequar os fatos à lei (teoria da subsunção). O novo é demarcar as divergências e buscar a conciliação (faturando prontamente seus honorários pelos serviços prestados). Da cabeça adversarial traslada-se para o mundo da resolução alternativa dos conflitos (conciliação, mediação e advocacia colaborativa). Busca-se assim uma solução, não uma decisão (que pode ser pior que o litígio). O novo mundo do advogado consiste em saber muita coisa sobre as teorias do conflito, psicologia, neurociência, técnicas de negociação, táticas comunicacionais, diálogo, resolução alternativa e paz individual e social. Decidir um litígio não é resolver um conflito humano.
O que o mundo contemporâneo espera do advogado é que tenha habilidades para gerir conflitos. Deve ser um “resolvedor de conflitos” (Olívia Fürst, O Globo), não um criador de problemas processuais. Tudo o que as pessoas mais querem é que seus problemas sejam resolvidos, não judicializados (muito menos eternizados, sem nenhuma garantia de que o resultado não será uma loteria). Os conflitos não devem ser abordados com instrumentação estritamente jurídica (que é emocionalmente penosa, financeiramente custosa e lotericamente não auspiciosa). Nas Cartas Persas Montesquieu narra a história dos trogloditas que procuraram eleger um juiz para resolver seus problemas porque eles não queriam mais sentir nos ombros o peso da ética, da moral e da vida de renúncias.
Não podemos nos desobrigar dos compromissos éticos. Isso nos conduz a participar inclusive da solução dos nossos problemas. Também implica no abandono do modelo infantilizado de sociedade. Temos que ser corresponsáveis por resolver os problemas nos quais estamos implicados. Isso nos faz mais humanos, assegurando o progresso individual e da humanidade. A solução judicial dos conflitos (por um sistema de Justiça precário e mancomunado com os interesses das classes dominantes) definitivamente é um fator de atraso, não de avanço civilizatório.

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