terça-feira, 6 de maio de 2014

Juízes do Trabalho ampliam o diálogo

O jornalista Frederico Vasconcelos e a professora Maria Tereza Sadek, pesquisadora da USP e especialista em questões do Judiciário, participaram de debate sobre o relacionamento do Poder Judiciário com a sociedade e formas de aprimoramento da Justiça do Trabalho.
O evento, sob o tema “O Judiciário e a Sociedade: um diálogo necessário“, aconteceu durante o 17º Congresso Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho, em Gramado (RS), na última quarta-feira (30/4).
O debate foi mediado pelo juiz do Trabalho da 1ª Região Roberto da Silva Fragale Filho.
Pela primeira vez, a Anamatra recebeu teses e sugestões de estudantes de direito, advogados e representantes da sociedade civil para discutir, no congresso, aspectos relevantes da Justiça do Trabalho. O fato foi elogiado pelos dois expositores. Participaram do evento representantes do Judiciário, do Executivo e do Legislativo.

A seguir, trechos da exposição do repórter:
“O desgaste do Judiciário não pode ser atribuído à má-vontade da imprensa.  Em parte, ocorre porque o Judiciário não consegue dar uma resposta mais rápida ao acúmulo de processos, o que gera a sensação de impunidade. Em parte, por causa da impunidade real, provocada por um sistema que permite a chicana, os recursos protelatórios, dificultando a realização da Justiça. Mas o desgaste também se deve a procedimentos pouco republicanos de tribunais. Questiona-se por que a imprensa cobra informações sobre os vencimentos dos magistrados, mas o maior tribunal do país mantinha uma folha de pagamento paralela, processada em outro prédio, fazendo depósitos fora do holerite. A transparência é uma exigência da sociedade.”
“Uma consulta à agenda da Anamatra revela que a associação está alerta e se opõe a projetos do Legislativo que ameaçam garantias do trabalhador, busca obter no próprio Judiciário a garantia das prerrogativas da magistratura, a remuneração devida dos membros do Judiciário. Defende o fortalecimento dos juízes de primeiro grau, as eleições diretas para escolha de dirigentes de tribunais, a vitaliceidade e a independência dos juízes.”
“Parece-me contraditório, contudo, que associações de juízes defendam a eleição direta para os cargos de direção de tribunais  –uma causa justa– e mantenham a prática de promover coquetéis e recepções a cada posse de um novo presidente do Supremo Tribunal Federal. Trata-se de uma sucessão prevista, ou seja, um procedimento administrativo, um rodízio.”
“Há alguns obstáculos ao maior diálogo entre o Judiciário e a sociedade, como a dificuldade em conciliar o tempo do processo e a busca, pela imprensa, da informação, numa competição acirrada pelo ‘furo online’.”
“A cada dois anos, os tribunais mudam o comando da administração, e cada novo presidente decide o grau de transparência de sua gestão.”
“Suponho que a divulgação mais eficiente da ação da Justiça do Trabalho contra as práticas inaceitáveis seria aquela veiculada nos órgãos de imprensa mais próximos da comunidade onde os abusos foram cometidos. Mas sabe-se que, nos centros mais distantes, a imprensa está mais sujeita a pressões políticas e a restrições de anunciantes.”
“Entendo que a Anamatra –ao lado de outras associações—estava na contramão do sentimento da sociedade ao propor uma queixa-crime contra a ministra corregedora Eliana Calmon, peça rejeitada pelo então procurador-geral da República.  Sabemos todos que a corrupção não é o maior problema do Judiciário. Mas são incalculáveis os danos causados por um único juiz corrupto que continua com o poder de sentenciar.”
“Não vi nenhuma nota oficial de entidade ou de tribunal do Trabalho noticiando que o TRT de Goiás, numa atuação que merece elogios, afastou um desembargador envolvido com a quadrilha de Carlinhos Cachoeira.”
“Às voltas com acúmulo de processos e falta de recursos, os tribunais desperdiçam tempo e dinheiro com distribuição de medalhas e cerimônias que apenas atiçam a fogueira das vaidades.”
“Para encerrar, reforço minha admiração pela iniciativa da Anamatra, ao se dispor a ouvir a sociedade. Faço isso com a convicção de que nós, jornalistas, cultivamos pouco a prática de ouvir e aceitar as opiniões divergentes. Concluo minha exposição reproduzindo afirmação do presidente da Anamatra, Paulo Schmidt:  ‘Numa sociedade democrática a independência da magistratura é a maior garantia da cidadania’.”
“E a independência da imprensa também, acrescento”.

A seguir, um resumo da exposição de Maria Tereza Sadek:
Em sua intervenção, a professora Maria Tereza Sadek contextualizou historicamente a relação do Poder Judiciário com a sociedade, demonstrando as diferenças nesse relacionamento nos sistemas parlamentarista e presidencialista de governo. Nesse aspecto, explicou que o Judiciário  no parlamentarismo não é um poder de Estado, uma vez que não detém a atribuição de exercer o controle de constitucionalidade das decisões do Legislativo ou do Executivo. No Brasil, após a Constituição de 1988, com a adoção do sistema presidencialista e com a constitucionalização de um amplo rol de direitos, chegamos a uma situação de forte empoderamento do Poder Judiciário.
No Estado de Direito, a adoção dos princípios liberais implicava a presença de um juiz  afastado da sociedade. Aquela construção institucional era marcada pela prevalência da Lei. A aplicação da lei de uma forma imparcial e igualitária exigia a criação de um personagem distante das mazelas do dia a dia, daí o juiz identificado como a boca da lei, um personagem cuja atribuição principal era solucionar os conflitos com base na lei. Para o juiz típico do Estado de Direito Liberal, as questões sociais não tinham importância. A expressão “só existe o que consta dos autos” resume com precisão aquele modelo.
Atualmente, contudo, o modelo de relacionamento do Poder Judiciário com a sociedade é bastante diferente daquele do século XIX. A rigor, a democracia constitucional passou a exigir um tipo distinto de juiz. Um juiz ator político, co-responsável por políticas públicas. O século XX presenciou mudanças significativas no Poder Judiciário, aproximando de certa forma os Judiciários dos sistemas parlamentarista e presidencialistas. O reconhecimento dos direitos sociais provocarão alterações tanto na participação do Judiciário como na relação da instituição com a sociedade  Todas as grandes questões passam pelo Poder Judiciário. Os direitos sociais demandam um Estado interventor e, nessa medida, um Judiciário que corresponda a essa exigência.
O modelo presidencialista democrático constitucional  exige que o Judiciário se pronuncie sobre variados temas . “O Judiciário se torna, para o bem ou para o mal, um ator político relevante. Outro aspecto que deve ser ressaltado diz respeito à heterogeneidade da sociedade. “Temos uma sociedade marcada por um extrema desigualdade, uma desigualdade cumulativa. Em contraste, temos, do ponto de vista legal, uma cidadania universal”.
O Judiciário brasileiro dos últimos anos adotou práticas inovadoras, como, por exemplo, audiências públicas e julgamentos televisionados. Ademais, a maior presença de magistrados na arena pública implica questões de natureza ética diversas daquelas de quando o juiz representava a boca da lei. No presente, ele se abre para um diálogo para a sociedade. Suas decisões passam a levar em consideração as possíveis consequências sociais e econômicas que afetam a sociedade como um todo. E esse é um embate ético para o qual os magistrados não vêm sendo preparados. Um dos problemas nesse sentido, na avaliação da professora, é o próprio currículo das faculdades de Direito, que ainda é positivista e baseado em preceitos adversariais e não de conciliação.
Muitas decisões do Poder Judiciário têm reflexos na sociedade como um todo a exemplo dos julgamentos relativos à questão das cotas, pesquisas com células-tronco, união homo-afetiva, nepotismo, aborto de anencéfalos e marcha da maconha. Nesse aspecto, afirmou que o Judiciário muitas vezes vem preenchendo omissões do legislativo.

Fonte:  http://blogdofred.blogfolha.uol.com.br/

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