segunda-feira, 6 de novembro de 2017

Sem recursos, Caixa trava financiamentos e compradores podem perder imóvel

Publicado em 06/11/2017 , por Karina Trevizan e Taís Laporta

Em setembro, Caixa aumentou para 50% o teto para financiar imóveis usados; quem iniciou o processo mas não assinou contrato até a data da mudança precisará dar entrada maior.

No final de setembro, a professora universiária Ana Brambilla, de 36 anos, recebeu a notícia de que a Caixa Econômica Federal aprovou seu financiamento imobiliário. Ela daria 30% de entrada e financiaria o restante de um apartamento em São Paulo. Poucos dias depois, o banco mudou as regras do financiamento e passou a exigir que o comprador pagasse, no mínimo, 50% do valor do imóvel usado de entrada. Faltando apenas a assinatura do contrato, o processo está parado.

Na agência, Ana recebeu a informação de que as condições acertadas com a Caixa seriam mantidas. Mas o prazo de 30 dias para assinar o contrato e o banco pagar os recursos terminou sem que o dinheiro fosse liberado.

A Caixa informou ao G1 que os clientes que não assinaram o contrato até a data da mudança, 25 de setembro, independente de já terem carta de crédito aprovada, estarão enquadrados na regra nova. Ou seja, eles precisarão aumentar o valor da entrada para não perder a compra do imóvel usado.

O Procon tem um entendimento diferente, de que “a oferta vincula o fornecedor” e recomenda que os clientes lesados busquem seu direito em um órgão de defesa do consumidor ou na Justiça (leia mais abaixo).

Sonho perdido

A funcionária pública Fabiana Lourenço, de 36 anos, adiou a compra da casa própria após a alteração das regras da Caixa. Com dinheiro para dar 20% de entrada em um imóvel usado em Franco da Rocha (SP), ela teve o financiamento aprovado antes da mudança. Mas, o contrato não foi assinado a tempo, a exigência da entrada subiu para 50%. Ela desistiu do negócio e vai continuar morando na casa de seus pais, junto com a filha, de 6 anos.

"É um sonho que fica para trás", lamenta. "Eles mudaram a regra do jogo no meio do jogo. Estou me sentindo lesada."

Os casos de Ana e Fabiana não são exceções. Situações como as delas são relatadas em um grupo de Whatsapp que tem dezenas de participantes que compartilham problemas com a Caixa. Há várias pessoas que já se mudaram para o imóvel comprado após o pagamento da entrada, e agora temem precisar deixar a casa nova.

“Já estou morando na casa, mas não posso furar nada nas paredes”, reclamou uma usuária. “O que eles estão fazendo é um verdadeiro absurdo. Destruindo sonhos, eu estou revoltada.”

Falta de recursos

Com cerca de 70% de participação no crédito imobiliário do país, a Caixa surpreendeu o mercado ao tomar uma série de medidas que restringiram o acesso aos financiamentos da casa própria, inclusive com recursos subsidiados (a juros mais baixos). Veja algumas medidas adotadas este ano:

        -Reduziu para 50% o limite de financiamento de imóveis usados;
        -Encerrou a linha pró-cotista do FGTS, a mais barata depois do Minha Casa, Minha Vida;
        -Passou a adotar limites mensais na liberação do crédito imobiliário;
        -Foi o único banco que não reduziu os juros neste ano diante dos cortes da taxa Selic;
        -Deixou de ser o banco com as menores taxas para financiar a casa própria (veja a tabela abaixo)

Em agosto, a Caixa reduziu o limite para financiar novas unidades de 90% para 80% do valor do imóvel. Para imóveis usados, o banco fez dois cortes este ano: um primeiro em agosto, de 70% para 60%, e outro em setembro, para 50% do valor do bem.

“Todos os financiamentos, segundo aquilo que foi passado pra gente, vão perder (as condições simuladas). Não tem o que fazer. O que foi passado para o gerente é tentar direcionar o cliente para os 50% de entrada, o que é impossível”, revela um correspondente da Caixa, que falou ao G1 sob condição de anonimato.

A medida atingiu linhas que usam recursos do FGTS (Minha Casa Minha Vida e pró-cotista) e da poupança (SBPE). Na outra ponta, os principais concorrentes do banco mantiveram ou até aumentaram o teto de financiamento do imóvel, entre 80% e 90%.

O correspondente da Caixa diz que a ordem é segurar o crédito. Segundo ele, há vários processos de financiamento “prontos para serem assinados”, mas que estão parados por falta de recursos.

“Eu estava com quatro processos em conformidade para gerar a minuta do contrato. Tudo pronto para ser assinado. A Caixa barrou”, contou o correspondente .

Em outubro, o superintendente da Caixa em São Paulo, Clayton Rosa Carneiro, disse ao G1 que não faltam recursos para os financiamentos, já que o banco liberou em 2017 um volume de crédito maior que no ano passado. Mas ele admitiu que há uma programação para a liberação dos recursos.

“Estamos adotando um controle de dotação mensal porque houve um descompasso entre oferta e demanda”.

Compra pela metade

Ao ter a proposta de financiamento aprovada, Ana pagou a entrada de 30% do valor do imóvel. Para isso, ela usou seu Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), somado a um valor economizado por seu marido, e deu uma entrada no apartamento. Com o financiamento travado, a professora não pode transferir o financiamento para outro banco porque sua conta do FGTS foi zerada.

“O meu FGTS está todo sequestrado pela Caixa, 19 anos de trabalho. Está numa conta que eu não sei qual é, num limbo”, reclama Ana.

“Não consegui assinar [o contrato] e não consegui falar com mais ninguém. Liguei na ouvidoria, mandei tweet, é um silêncio absoluto”, reclama Ana sobre a falta de retorno da Caixa.

Fabiana também lançou mão de seu FGTS e pagou o valor da entrada acertado no momento em que o fnanciamento havia sido aprovado. Além disso, as duas ainda tiveram despesas com documentação, taxa, abertura de contas e a vistoria exigida pelo banco, no valor de R$ 750.

Para Fátima Lemos, do Procon-SP, o consumidor pode fazer uma reclamação no Banco Central, procurar o órgão de defesa de sua região ou mesmo acionar a Justiça. Na sua avaliação, em alguns casos cabe também o ressarcimento de outros danos materiais, como o pagamento de aluguel.

“Houve a simulação, aprovação de crédito, toda a fase pré-contratual em que o fornecedor colocou as condições do financiamento e o valor que o consumidor tinha que dispor naquele momento. A princípio, o banco teria que cumprir com a oferta que foi feita, naquelas condições”, explica Lemos.

Venda pela metade

Se a situação é um transtorno para quem tenta comprar um imóvel, para quem precisa vender não é diferente. A professora Josielli dos Santos e o marido, o projetista Thiago Brum, colocaram seu apartamento à venda, em Limeira (SP) para comprar uma casa maior com o valor. Conseguiram comprador, que deu um valor de entrada, e a Caixa aprovou o financiamento do restante.

O casal então entregou o apartamento, mas segue aguardando a liberação do crédito pela Caixa. O prazo já se esgotou e o valor não foi liberado.

“Eu estou na casa da minha mãe. A compradora está entendendo que pode ter que sair, mas é uma situação chata. Ela já havia se acomodado”, lamenta Josielli.

Procurada por Josielli, a Caixa alegou falta de recursos. A família compradora pode perder o imóvel e o casal, a casa para onde iam se mudar.

Financiamento travado

A decisão da Caixa de segurar o crédito imobiliário afeta diretamente os clientes que compraram imóveis novos e usados. Apesar de a regra para imóveis novos não ter mudado, compradores reclamam da demora em liberar recursos de financiamento já aprovados.

É o caso do secretário Jefferson Bruno de Lima, de 28 anos. Em março, ele acertou a compra de uma casa nova em um condomínio em Mogi das Cruzes (SP). Pagou 20% de entrada para o construtor e teve o financiamento do restante aprovado pela Caixa. Mas ele espera há quase dois meses a liberação dos recursos.

"Eu gastei R$ 20 mil em móveis planejados, comprei geladeira. Vendi meu carro para pagar parte da entrada. Rescindi meu contrato de aluguel. Hoje estou morando na casa de um amigo, com todas as minhas coisas guardadas em caixas, esperando", conta ele.

Jefferson tentou transferir seu financiamento para outro banco, o Itaú, mas conta que as condições não são convidativas. Ele precisaria dar um valor maior de entrada, o que não conseguiria fazer. "Sinceramente, estou quase desistindo. Sabe quando você se vê sem opção?"

Crédito restrito

Economistas apontam que a Caixa pode ter ficado mais criteriosa na concessão dos financiamentos imobiliários para melhorar a qualidade de sua carteira crédito e reduzir o perfil de risco frente a exigências do setor bancário.

Em nota, o banco diz que, além de aumentar o valor mínimo de entrada para financiar imóveis usados, passou a estabelecer "dotação orçamentária mensal para utilização dos recursos do FGTS do Programa Minha Casa Minha Vida".

Segundo a Caixa, a estratégia serve para "cumprir o orçamento anual disponível até dezembro". "Quanto às modalidades de créditos que possuem orçamento segregado por UF, a Caixa esclarece que em alguns estados o orçamento esgotou, mas poderá ser retomado no mês de novembro”, informa.

O banco não tem recursos suficientes para cumprir regras mais rígidas do sistema financeiro que entram em vigor no ano que vem e está negociando um empréstimo de R$ 10 bilhões junto ao FGTS.

Fim do pró-cotista

Em junho, a Caixa encerrou a linha de crédito pró-cotista, a mais barata depois do Minha Casa, Minha Vida, por falta de recursos do FGTS. O banco vai reabrir a linha em 2018, mas com orçamento de R$ 5 bilhões, 35% menor que em relação a 2017.

Após a Caixa encerrar a linha, a única alternativa para financiar pelo pró-cotista é o Banco do Brasil, que cobra juros de 9% ao ano, mais a taxa referencial (TR). Nas demais linhas de crédito, o juro é maior (veja tabela abaixo).

Segundo o especialista em mercado imobiliário Marcelo Prata, a tendência é que os recursos subsidiados da Caixa, como as linhas que usam recursos do FGTS, sejam menos direcionados para a classe média (perfil dos mutuários do pró-cotista), ficando mais restritos a programas sociais e de habitação como o Minha Casa, Minha Vida, voltados para famílias de renda mais baixa.

Para o professor da EESP (Escola de Economia de São Paulo) da Fundação Getulio Vargas Alberto Ajzental, os recursos da poupança devem suprir a oferta de crédito imobiliário no futuro. "É provável que a retomada do crédito imobiliário no próximo ano se dê com os recursos da poupança, na medida em que a economia vai ficando mais estável", diz.

Movimento para outros bancos

Os especialistas acreditam que os compradores da classe média acabarão migrando automaticamente para os bancos privados. "A vocação natural da Caixa são os programas sociais e o banco deve priorizar isso daqui para frente", aponta Prata.

Os bancos privados estão acirrando a concorrência com a Caixa no crédito imobiliário este ano. Eles anunciaram neste ano uma série de reduções dos juros do crédito imobiliário, mas a Caixa manteve as taxas praticadas em 2016, deixando de ser o banco com os juros mais baixos do mercado neste segmento.

“Desde a crise de 2014, sempre que a Caixa anunciava um ‘pacote de maldades’, os bancos privados seguiam seus passos num 'efeito manada', mas desta vez foi o contrário”, avalia Prata. “Enquanto a Caixa restringiu o crédito, os outros bancos anunciaram a redução de juros e mantiveram o teto do valor do imóvel”.

O especialista acredita que os principais concorrentes da Caixa estão amadurecendo seus produtos no segmento imobiliário, o que abre espaço para avançar em participação de mercado em um momento em que o banco estatal está mais restritivo.


Prata acredita que a diluição da participação da Caixa no crédito imobiliário também abre espaço para baratear os financiamentos pelo Custo Efetivo Total (CET), que envolve todas as taxas da operação como seguro e impostos, além dos juros.

"A maior competição pelo crédito imobiliário tem um alto impacto no valor das prestações, como o preço do seguro, uma vez que, com mais bancos atuando, mais seguradoras são envolvidas".

Já na avaliação de Ajzental, o fato de a Caixa ter aberto mão de parte deste mercado não significa, necessariamente, que os outros bancos terão interesse em absorver toda a demanda que ficou desatendida.

"É provável que os outros bancos até queiram aumentar sua fatia no segmento, mas eles são mais seletos que a Caixa, historicamente, e não significa que vão compensar toda essa restrição. É mais provável que o mercado de crédito como um todo dê uma enxugada", acredita.

Fonte: G1 - 04/11/2017



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