O Ministério Público Especial Junto ao Tribunal do Contas do Estado do Rio Grande do Sul, por meio do procurador adjunto, Geraldo Costa da Camino, ingressou nesta terça-feira com uma representação, de número 0037/2007, contra a Prefeitura Municipal de Canoas, município vizinho a Porto Alegre, com dois objetivos: 1) promover uma ampla auditoria nas contas da administração municipal, para investigar irregularidades no gerenciamento do convênio relacionado ao aterro sanitário, analisar contratos com prestadores de serviços de limpeza urbana e; 2) suspender a licitação da bilionária PPP do lixo local, a partir do dia 28 de agosto, data em que está marcada a entrega das propostas dos concorrentes. A representação do procurador Geraldo Costa da Camino diz: “Excelentíssimo Senhor Conselheiro-Presidente do Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul. O Ministério Público de Contas, por seu Agente firmatário, nos termos do disposto no artigo 25, inciso I, do Regimento Interno, respeitosamente se dirige a essa Douta Presidência para dizer e propor o que segue. I – O Órgão Ministerial recebeu “denúncia”1, acompanhada de documentação (edital da Concorrência Pública nº 031/2007 e peças correlatas) reproduzida em compact disc (cd-r), posteriormente complementada por mensagens eletrônicas (cópias em anexo), dando conta de possíveis irregularidades no gerenciamento de convênio firmado entre os Municípios de Canoas e Nova Santa Rita (mediante o qual este último ficou autorizado a utilizar o aterro sanitário do primeiro), bem como nos procedimentos levados a efeito pela Administração Municipal canoense para a contratação de prestadores de serviços de limpeza urbana. Das questões elencadas pelo denunciante, merecem destaque os seguintes tópicos: 1) estariam ocorrendo irregularidades no convênio firmado entre os Municípios de Canoas e de Nova Santa Rita para a utilização, por este último, do aterro sanitário do primeiro. No particular, vêm noticiadas, além da ausência de autorização legal para a concessão, bem como da assinatura do Chefe do Executivo canoense no instrumento de convênio, a inexistência de controles acerca da quantidade de lixo depositada pelo segundo convenente e, conseqüentemente, dos recursos que, por conta disso, deveriam ser por ele repassados ao Fundo Municipal do Meio Ambiente de Canoas; 1 Firmada pelo jornalista Vitor Vieira e pelo administrador Enio Noronha Raffin, à qual se junta denúncia de idêntico teor firmada pelo vereador Nelson Luiz da Silva, de Canoas. 2) o contrato emergencial mantido pelo Município de Canoas com a empresa Vega Engenharia Ambiental Ltda., que tem por objeto a prestação de serviços de limpeza urbana, além de apresentar indícios de superfaturamento, estaria sendo reiteradamente renovado, tendo a contratada, inclusive, subcontratado à empresa Mecanicapina Limpeza Urbana Ltda. a realização dos serviços ajustados; 3) o atual Prefeito Municipal, senhor Marcos Antônio Ronchetti, teria recebido doações de campanha de duas empresas que atuam na área de limpeza urbana, a própria Vega Engenharia Ambiental S.A. (quando esta já mantinha contrato com o Poder Público Municipal) e a Construtora OAS Ltda., e contribuído, por sua vez, com a campanha eleitoral de dez dos atuais vereadores do Município; 4) por fim, haveria indícios de irregularidades também nos procedimentos relativos à Concorrência Pública nº 031/2007 (cujas propostas têm data de abertura marcada para o dia 24-08-2007, segundo edital retificativo de 26-06-2007), tendente à concessão administrativa da exploração dos serviços de limpeza urbana, pelo período de 20 anos (renováveis ad aeternum), mediante Parceria Público-Privada (que mais pareceria uma pura e simples contratação de serviços). No particular, merecem destaque os seguintes questionamentos: a) quais os critérios e em que circunstâncias teria sido contratada a empresa Bourscheid S/A Engenharia e Meio Ambiente (Contrato nº 097/2006) para a elaboração do correspondente estudo de pré-viabilidade do empreendimento, o qual envolverá significativo volume de recursos; b) a ausência de indicação do terreno em que será implantado o novo aterro sanitário, bem como de previsão específica acerca da possibilidade de exploração econômica e de destinação dos créditos de carbono e do biogás nele gerado (relativamente à exploração desses derivados, há disciplinamento no Anexo I – Especificações Técnicas/Regulamento da Concessão – item nº 17.11, mas apenas para o atual aterro, localizado no Bairro Guajuviras, e com a estipulação de pequeno percentual (15%) da receita daí decorrente ao Município); c) a previsão contida no mesmo Anexo I – item 20.10 – Área do Novo Aterro, no sentido de que o licitante vencedor poderá optar por continuar a utilizar o aterro já existente, muito embora a estimativa do valor total previsto para a transação (Anexo III – Orçamento Estimado) preveja significativo montante para implantação da nova área; d) a falta de justificativa para a previsão (na minuta contratual – item 21.11.1 do Anexo XII) de indenização a ser paga pelo Município no caso de “anulação da Concessão Administrativa, por eventuais ilegalidades verificadas no Edital e nos seus Anexos”. A respeito dos diversos temas elencados, verificou-se, em consulta ao Sistema de Informações para o Controle Externo – ICE, existir no banco de dados corporativo2 deste Tribunal o cadastramento tão-somente da matéria dizente com a abertura de licitação para Parceria Público-Privada visando à execução dos serviços de coleta e destinação de resíduos sólidos e de limpeza urbana no âmbito do Município de Canoas. Consultado, a esse respeito, o Expediente de Auditoria nº 3642-02.00/06-2, relativo ao exercício de 2006, pôde-se observar que a abordagem se deu em folhas de instrução, apenas, com sugestão de retomada do exame em futura auditoria, uma vez que até então o correspondente edital não havia sido concluído. Constatou-se, outrossim, que a matéria foi reincluída como item a ser examinado relativamente ao exercício de 2007, o que ocorreu, segundo informação obtida junto ao Serviço de Auditoria de Porto Alegre – SPA, no âmbito do Expediente de Auditoria nº 5465-02.00/07-0, cujo relatório está em fase de elaboração ainda, não sendo possível, por isso, conhecer-se a condução dada pela equipe auditora no exame de tal procedimento. II – Não obstante, a “denúncia” em comento traz elementos que justificam uma abordagem específica e pormenorizada de determinados aspectos daquele certame. Nesse sentido, exemplificativamente: 2 Sob os nºs 4520, de 24-11-2006, e 4928, de 28-12-2006. 6 i) o “valor estimado para o total dos 20 (vinte) anos da Concessão Administrativa” (item 2.9 do Edital), fixado em R$ 748.609.687,08, com previsão, para o primeiro ano de contrato, de um gasto mensal de R$ 2.501.363,98 (Anexo III – Orçamento Estimado). O montante total estimado representa, contudo, na média dos 240 meses de vigência do ajuste, um dispêndio mensal de R$ 3.119.207,02, importância essa 140% superior à que atualmente vem sendo paga3 pela Municipalidade na contratação de serviços de limpeza urbana – e pouco inferior aos cerca de R$ 3.500.000,00 hoje despendidos pelo Município de Porto Alegre para a obtenção de serviços similares. Nessa correlação, aduz a “denúncia”, considerando-se para a presente licitação a previsão inicial da coleta de 5.300 toneladas/mês de resíduos domiciliares (ANEXO IV – Modelo de Proposta Financeira/Plano de Negócios e Investimentos), chega-se a um montante de R$ 95,02 por tonelada, valor esse consideravelmente superior ao que teria sido ofertado, por exemplo, pela empresa Vega Engenharia Ambiental4 (R$ 67,25) em certame recentemente aberto pela Municipalidade de Porto Alegre, em que preço ainda menor (R$ 56,49) teria sido cotado pela empresa Qualix Serviços Ambientais Ltda. Merece registro, por fim, a corroborar a grandeza e desproporcionalidade do montante fixado pela Administração de Canoas como aceitável para a contrapartida pecuniária a que se propõe, que o seu território representa 26,41%, apenas, da área de Porto Alegre, com uma população correspondente a 23,12% daquela da capital. 3 R$ 1.300.000,00 mensais. 4 A mesma que, segundo a denúncia, vem mantendo contrato emergencial continuamente renovado com o Município de Canoas (Item I, nº 2, desta Representação). ii) a previsão contida no Anexo I, item 20.10 – Área do Novo Aterro, que permite ao licitante vencedor optar por continuar utilizando o aterro sanitário já existente, sem que isso reflita no custo total orçado pela Administração Municipal (Anexo III – Orçamento Estimado), que não prevê, no caso de uso dessa prerrogativa, qualquer redução nos custos originalmente estimados; iii) a injustificada estipulação de indenização do licitante vencedor no caso de anulação da concessão administrativa por eventuais ilegalidades (Anexo XII – Minuta do Contrato – item 21.11.1). De se destacar, desde logo, no particular, a inadequada fundamentação legal da mencionada previsão, baseada que está no artigo 37 da Lei Federal nº 8.987/1995, cujo teor trata especificamente da encampação dos serviços pelo poder concedente. iv) questão relevante, por fim, pois ensejadora de vantagem ao licitante vencedor e de potenciais prejuízos aos Cofres Públicos, é a absoluta falta de disciplinamento acerca do direito de uso do biogás e dos chamados créditos de carbono decorrentes da atividade a ser desenvolvida no novo aterro sanitário. Com efeito, a matéria vem disciplinada apenas no que diz com o aterro atual (Anexo I – item 17.11), prevendo, nesse caso, diga-se, o repasse ao Município de ínfimo percentual (15%) da receita gerada5. 5 Segundo o denunciante, licitação similar aberta pela Administração Municipal de Duque de Caxias-RJ fixa em 36% o percentual a ser repassado ao Município a esse título. 8 A questão da exploração desses derivados tem sido motivo de alentados estudos, que em sua maioria evidenciam, além dos naturais benefícios decorrentes da proteção e conservação do meio ambiente, as relevantes cifras advindas do seu aproveitamento. A título de exemplo, apenas, cabe mencionar que, em artigo intitulado “Brasil já se adapta à era Kyoto”, publicado no site do Ministério da Ciência e Tecnologia6, o jornalista Lourival Sant’Anna, ao discorrer sobre o primeiro projeto aprovado pelo Secretariado do Comitê Executivo da Convenção de Mudanças Climáticas da ONU (o “NovoGerar, um aterro sanitário em Nova Iguaçu, no Rio, que gera energia com o gás metano extraído do lixo”), acrescenta que, até 2012, os créditos derivados do referido projeto e vendidos ao governo da Holanda “devem render pelo menos US$ 10 milhões à EcoSecurities e à S/A Paulista, donas do aterro”. Guardadas as devidas proporções, é evidente, contudo, que essa importante fonte de receitas não pode ficar sem disciplinamento específico. Na situação sob exame, entretanto, a questão vem tratada de forma indireta, apenas, na previsão contida no subitem nº 3.2.18.6, alínea g), do Edital da Concorrência Pública, que obriga o licitante a fornecer a “descrição geral, explicitação da função e do dimensionamento e da metodologia de construção dos diversos componentes do sistema de captação do biogás”, sem contudo regular a sua destinação e/ou os direitos de sua exploração no novo aterro sanitário. 6 Disponível no endereço: http://agenciact.mct.gov.br/index.php/content/view/23553.html 9 Poder-se-ia depreender, no entanto, da leitura do edital, que tal possibilidade estaria adstrita à esfera de decisão apenas do licitante vencedor (já então sem concorrência), por força da garantia contratual de possível “auferição de outras fontes de receitas alternativas, complementares, acessórias ou de projetos associados, não expressamente previstas neste Contrato” e na previsão de que o mesmo “poderá explorar diretamente fontes provenientes de receitas alternativas, acessórias ou de projetos associados aos serviços” contratados (alíneas “b” dos itens 5.7 e 5.8 do Anexo XII – Minuta do Contrato). A propósito, em editorial de 06-06-2007, intitulado Créditos com o lixo (e dando destaque à assertiva de que os “aterros sanitários paulistanos já produzem energia e lucro”), o jornal O Estado de São Paulo noticia a intenção do governo paulistano de levar a “leilão eletrônico 750 mil toneladas de CO2” provenientes do Aterro Sanitário Bandeirantes (em cujas dependências está instalada uma usina termoelétrica que produz, a partir do biogás, energia elétrica suficiente para atender 300 famílias), estimando que cada tonelada do produto possa render em torno de 16 euros, recursos que irão na sua totalidade para os Cofres da Municipalidade, haja vista que a concessionária já negociou a sua parte. É inconcebível, portanto, que o Poder Público não se reserve garantias para auferir rendimentos de mercado tão promissor. III – Assim, em sintonia com o entendimento de se valorizar e prestigiar a atuação controladora de caráter preventivo, evitando-se que irregularidades venham a se propagar, e até se consolidar, com efeitos deletérios de difícil reparação, e tendo em conta que a matéria em causa também se coloca no conjunto das competências deste Tribunal (art. 71 da CR/1988), o Ministério Público Especial requer a adoção das seguintes providências: 1º) o exame da matéria em seu conjunto – e especialmente os itens “i”, “ii”, “iii” e “iv” antes referidos – através da realização de inspeção especial no âmbito do Município de Canoas; 2º) na hipótese de, até o dia 23-08-2007 (último dia útil antes da data de abertura das propostas), não haver deliberação sobre o tema, determine-se a suspensão cautelar da licitação. IV – Solicita-se, por fim, seja dada ciência ao Parquet acerca dos encaminhamentos adotados pela Colenda Casa em relação ao particular. À sua elevada consideração. Geraldo Costa Da Camino, Adjunto de Procurador.
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