terça-feira, 29 de março de 2011

Dilma e Obama - acordos trabalhistas


Dentre os vários protocolos assinados entre os presidentes Dilma Rousseff e Barack Obama, chamou a minha atenção o memorando referente à área trabalhista. Nesse documento, os mandatários se comprometeram a estreitar a colaboração no campo do "trabalho decente".

A referida colaboração engloba o treinamento de trabalhadores, a proteção da saúde e segurança, o combate ao trabalho infantil e forçado, todas as formas de discriminação e liberdade de associação e de negociação coletiva.

Fiquei surpreso com o avanço do governo americano. Será que os signatários estavam falando da mesma coisa quando se referiram ao trabalho decente e à liberdade de associação?

O Ministério do Trabalho e Emprego, com o apoio do escritório da Organização Internacional do Trabalho (OIT) no Brasil, define o trabalho decente como o "adequadamente remunerado, exercido em condições de liberdade, equidade e segurança de modo a garantir uma vida digna aos trabalhadores".

Idealmente, todo trabalho deveria ser decente. Mas na realidade a teoria é outra. Por isso, a OIT propõe um esforço deliberado dos Estados-membros para garantir as condições contidas na definição acima, cujos termos, convenhamos, são eivados de subjetividade. O que é uma remuneração adequada? O que constitui liberdade no trabalho? O que é uma vida digna?

A campanha em favor do trabalho decente gerou uma enorme agenda de propostas que vêm sendo estudadas por vários países. Para cobrir todas as dimensões do conceito, cogita-se da necessidade de obedecer aos termos de inúmeras convenções internacionais daquele organismo, em especial a 131 (que trata do salário mínimo); a 95 e a 117 (regularidade de pagamento do salário); 47 e 106 (horas extras); 132 (férias e feriados); 183 (proteção à maternidade); 155 (saúde e segurança); 121 e 130 (acidentes do trabalho); 102 e outras similares (previdência social); 100 e 111 (discriminação); e uma longa lista que não cabe neste artigo.

Fiquei surpreso com a disposição de Obama, porque das 188 convenções aprovadas pela OIT os EUA ratificaram apenas 14. É um dos países que menos aderem às normas internacionais do trabalho e que, teoricamente, deveriam governar o trabalho decente.

De duas uma: ou os EUA darão uma grande virada daqui para a frente, passando a ratificar o que nunca aceitaram, ou o memorando assinado é uma vaga expressão de boa vontade, sem maiores consequências.

Dentre as convenções não ratificadas pelos EUA estão a 87 e a 98, que tratam da liberdade de associação e da negociação coletiva. Evidentemente, isso não quer dizer que não exista liberdade naquele país.

A recusa à ratificação decorre de uma outra noção daquele conceito. A legislação dos EUA garante fortemente a liberdade de associação e de negociação coletiva. Mas, para os americanos, a liberdade é um direito que pertence às pessoas individualmente, e não às organizações (sindicatos).

Isso vale para empregados e para empregadores. Na discussão sobre a criação de um sindicato dentro de uma empresa, por exemplo, empregados e empregador têm o direito de expor suas razões - pró e contra -, enquanto, para a OIT, o direito de organizar um sindicato dentro de uma empresa cabe apenas aos empregados.

São muitas as diferenças entre a concepção liberal dos EUA e a linha regulatória da OIT. Será que o presidente Obama vai virar um jogo que está arraigado há séculos na cultura americana? É pouco provável, para não dizer impossível.

Por isso há que se tomar cuidado com as propostas do Memorando Dilma-Obama, para que esse documento, assinado com tão boas intenções, não se transforme em mais um instrumento de protecionismo na ânsia de tudo fazer para gerar o máximo de empregos nos EUA.

Cabe, do nosso lado, ficarmos atentos e evitarmos entrar em acordos que podem significar um tiro no pé dos nossos trabalhadores que tanto necessitam de muitos e bons empregos decentes.

(*) Professor de relações do trabalho da FEA-USP

Fonte: O Estado de São Paulo, por José Pastore, 29.03.2011

Mudança abrupta em preço de seguro ofende o sistema de proteção ao consumidor


Se o consumidor contratou ainda jovem o seguro de vida oferecido pela seguradora e o vínculo vem se renovando ano a ano, o segurado tem o direito de se manter dentro dos parâmetros estabelecidos, sob o risco de violação ao princípio da boa-fé. A Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que aumentos necessários para o reequilíbrio da carteira têm de ser estabelecidos de maneira suave e gradual, mediante um cronograma, do qual o segurado tem de ser cientificado previamente. 

A decisão foi proferida após sucessivos debates na Segunda Seção, em um recurso no qual um segurado de Minas Gerais reclamava contra decisão da seguradora de, após mais de trinta anos de adesão, não renovar mais o seguro nas mesmas bases. Ele alega que, primeiramente, aderiu ao contrato de forma individual e, posteriormente, de forma coletiva. As renovações eram feitas de maneira automática, quando a seguradora decidiu expedir notificação e não mais renovar a apólice nas mesmas condições. 

Conforme o segurado, houve a oferta de três alternativas de manutenção do contrato, todas excessivamente desvantajosas. A seguradora argumentou que a realidade brasileira impede que os seguros de vida sejam contratados sob o mesmo sistema utilizado nos anos 70, quando iniciou uma série de seguros dessa natureza. Os constantes prejuízos experimentados para a manutenção do sistema anterior a obrigaram à redução do capital social. 

A seguradora argumentou, ainda, que circular da Superintendência de Seguros Privados (Susep) autorizaria o aumento com fundamento na faixa etária, e que o aumento proposto obedeceria a um programa de readequação favorável ao consumidor. Tanto o juízo de primeiro grau quanto o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) consideraram que, prevendo o contrato de seguro a não renovação da apólice pelas partes, mediante aviso prévio de 30 dias, não era abusiva a decisão de por fim ao pacto, por não haver cláusula expressa nesse sentido. 

Contratos relacionais

A relatora da matéria na Seção, ministra Nancy Andrighi, assinalou que o contrato em questão não pode ser analisado isoladamente, como um acordo de vontades por um período fixo, com faculdade de não renovação. Deve ser analisado como um contrato relacional, em que os deveres das partes não estão expressamente previstos, e com observâncias aos postulados da cooperação, solidariedade, confiança e boa-fé objetiva. 

“A proteção especial que deve ser conferida aos contratos relacionais nasce da percepção de que eles vinculam o consumidor de tal forma que, ao longo dos anos de duração da relação contratual complexa, torna-se esse cliente cativo daquele fornecedor ou cadeia de fornecedores, tornando-se dependente mesmo da manutenção daquela relação contratual” assinalou. Um jovem que vem contratando um seguro de forma contínua não pode ser abandonado, segundo a ministra, quando se torna um idoso. 

A ministra ponderou que prejuízos também não podem recair sobre a seguradora. “A colaboração deve produzir efeitos para ambos”, ressaltou. No caso dos autos, há responsabilidade da seguradora por não ter notado o desequilíbrio em tempo hábil, comunicando prontamente o consumidor, e planejando de forma escalonada as distorções. 

Se o consumidor entender que o escalonamento não contempla seus interesses, fica-lhe facultado, segundo a ministra, discutir a matéria em juízo, em ação na qual se discutirá especificamente não o direito à descontinuidade do contrato, mas a adequação do plano apresentado, de acordo com os princípios que regem os contratos relacionais. 


Fonte: STJ - Coordenadoria de Editoria e Imprensa 

TST mantém reintegração de empregado demitido por perseguição política


Não há impedimento para a despedida imotivada de empregado público. Porém, se a dispensa tem caráter discriminatório, ela é ilegal, e o empregado deve ser reintegrado. Com base neste entendimento, a Sexta Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST) manteve decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 23ª Região (TRT/MT) que considerou nula a dispensa sem justa causa de um empregado da Companhia de Saneamento da Capital – Sanecap, por considerar que ele sofreu “perseguição política”. 

O empregado foi admitido por concurso púbico em abril de 2002 para o cargo de auxiliar administrativo. Em junho de 2007, foi dispensado e ajuizou reclamação trabalhista pedindo reintegração por dispensa discriminatória e indenização por danos morais. A empresa alegou em sua defesa que o empregado foi dispensado com base em “requisitos técnicos” e que, como empresa de economia mista, tem o direito de propor demissões sem justa causa, pois o trabalhador não era detentor da estabilidade e, portanto, as regras aplicáveis eram as previstas na CLT. 

Com base em depoimentos de testemunhas, o juiz concluiu que a dispensa foi, de fato, discriminatória. Segundo ele, ficou comprovado que os empregados que participaram de audiência pública na Câmara Municipal e se manifestaram contrários à privatização da empresa foram dispensados. Dessa forma, determinou a reintegração e proibiu a empresa de dispensá-lo no período mínimo de 12 meses após a reintegração, além de condená-la ao pagamento dos salários e demais parcelas remuneratórias relativas ao período de afastamento e indenização por danos morais no valor de R$ 20 mil. 

A empresa recorreu, sem sucesso, ao TRT. O acórdão regional, ao manter a decisão anterior, destacou que não há dúvidas quanto à possibilidade da dispensa sem justa causa, porém a dispensa discriminatória fere garantias constitucionais elementares, como o direito de livre manifestação de pensamento, de acesso à informação e de reunião e o de manter convicções políticas sem sofrer privações de direitos. 

O entendimento do TRT também predominou na Sexta Turma do TST, no julgamento do agravo de instrumento em recurso de revista da empresa. O relator, ministro Maurício Godinho Delgado, afirmou em seu voto que, se o empregado não é detentor de algum tipo de estabilidade ou garantia de emprego, o ato de dispensa não requer motivação para sua validade (Orientação Jurisprudencial 247, item I, da SDI-1). Entretanto, “essa liberdade não autoriza o empregador estatal a realizar despedida com caráter discriminatório, com motivação abusiva, distinta da mera dispensa sem justa causa”, concluiu. 

(Cláudia Valente/CF) 



Fonte: TST - Tribunal Superior do Trabalho - 29/03/2011

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