Publicado em 02/08/2019 , por Renato Jakitas
Apesar da taxa básica da economia despencar 8,25 pontos porcentuais em três anos, juros no cheque especial continuam na casa dos 300% ao mês
Os 28,405 milhões de brasileiros sem emprego e a alta taxa de famílias com dívidas em atraso - hoje em 64,1%, segundo dados de julho da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) - são tidos pelos economistas como os entraves para o repasse da queda da Selic para o bolso do consumidor final
Considerada a taxa básica da economia, a Selic, que é recalibrada a cada 45 dias pelos técnicos do Banco Central, despencou 8,25 pontos porcentuais de agosto de 2016 para a última reunião do Copom, nesta quarta-feira, 31, quando foi fixada o novo patamar de 6% ao ano, o menor da série história.
A mudança da Selic tem impacto direto na concessão de crédito para empresas de grande porte, com acesso ao mercado de capitais, e nos investimentos de renda fixa - como a caderneta de poupança ou um título de CDB. No entanto, a taxa não interfere no mercado de crédito para pessoas físicas, como créditos imobiliários, créditos livres, rotativo do cartão e cheque especial. E isso, na opiniões dos especialistas, é explicado pela falta de confiança do mercado financeiro na capacidade dos brasileiros de arcarem com seus compromissos no prazo.
"É matemática pura. O banco não empresta a taxas mais baratas porque ele fica esperando por sinalizações positivas da economia: mehora no desemprego e queda da inadimplência das pessoas. Mas com a economia praticamente parada, isso não acontece", diz a coordenadora do curso de economia do Insper, Juliana Inhasz.
Ela, no entanto, pondera que a aprovação da reforma da Previdência, mesmo que apenas em primeiro turno na Câmara dos Deputados, tem melhorado a percepção de médio e longo prazo do mercado financeiro. "Por isso, não dá para dizer que essa nova queda da Selic não será repassada para o consumidor. Pela primeira vez em muito tempo, estamos vendo uma luz no fim do túnel. As pessoas estão mais animadas", diz.
Cheque Especial
Dados divulgados do Banco Central (BC) mostram que apesar da Selic despencar do patamar de 14,25% há três anos, o juro médio do cheque especial, que representa 30% do crédito das pessoas físicas, permanece praticamente inalterado. Em junho, aliás, ele atingiu 322,2% ao ano, alta de 18 pontos porcentuais na comparação com junho de 2018.
Na prática, uma dívida de R$ 5 mil no cheque especial transforma-se, em um mês, em um compromisso de R$ 5.640, considerando o juro médio de 322,2% ao ano. Esta é a linha de crédito mais cara do mercado.
O custo do cheque especial equivale a 14 vezes o juro do crédito consignado - uma das modalidades mais baratas do mercado. Em junho, o juro médio do consignado foi de 22,8% ao ano. Para os servidores públicos, esta taxa é ainda menor, de 20,8% ao ano.
Para o economista Roberto Luis Troster, isso acontece porque os ganhos de uma nova Selic para a economia são "marginais". "Vejo uma melhora no crédito para as empresas de grande porte, que têm acesso ao mercado de capitais. Mas o consumidor não vai ver esses impactos", diz. "Os últimos quatro presidentes do Banco Central, apesar de todos os esforços, não conseguiram reduzir o crédito no Brasil. Esse é um desafio que está além da queda Selic", destaca.
"Do começo da crise até agora o Brasil já derrubou de 14,25% ao ano a Selic para 6,50 e, mesmo assim, a economia está praticamente parada. Não serão 0,25 pontos ou 0,50 pontos que vão mudar as coisas", afirma a economista-chefe do XP Investimentos, Zeina Latif.
Para Zeina, a principal contribuição do novo patamar de juros é o de virar a página de uma "distorção brasileira, com juros muito acima da média mundial", diz. "Uma taxa de 14% ao ano reduz o apetite de risco da economia como um todo. Agora, com taxas mais baixas, vamos começar, como já começamos, a tratar de outros temas, como as mudanças estruturantes, melhora da competitividade das empresas, entraves ambientais, todos pontos que, efetivamente, movimentam diretamente a economia", afirma.
Emprego e dívida
O porcentual de famílias com dívidas alcançou 64,1% do total em julho, ligeira alta em relação aos 64,0% observados em junho, segundo a Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic), divulgada pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC). Também houve alta em relação a julho de 2018, quando o indicador estava em 59,6% do total de famílias.
No mercado de trabalho, a taxa de desemprego atingiu a marca de 12,0% no trimestre que se encerra em junho, como mostra a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), divulgada na quarta-feira, 31, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). De acordo com os dados, faltou trabalho para 28,405 milhões de pessoas no País no trimestre encerrado em junho.
Fonte: Estadão - 01/08/2019