segunda-feira, 22 de agosto de 2011

ATENÇÃO FINANCIADOS - STJ CONFIRMA DECISÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA QUE NÃO CONCEDEU A REINTEGRAÇÃO DE POSSE À BANCO PELA TEORIA DO ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL DA DÍVIDA

A instituição financeira ajuizou a ação de reintegração de posse com base no inadimplemento de cinco, entre trinta e seis contratadas no arrendamento, o que configura adimplemento substancial, ou seja, o financiado/arrendatário adimpliu mais de 86% do contrato.
O adimplemento substancial nada mais é do que o pagamento de mais da metade do débito, o que segundo a maioria dos Juízes/Desembargadores entende que é inadmissível a retomada do bem pelos bancos.

Nesse julgamento recente, o STJ confirmou a decisão do nosso Tribunal de Justiça, na qual impede que o banco retome o bem.

É mais uma vitória da Justiça Gaúcha frente aos desmandos dos bancos.

A relatoria e presidência é do Desembargador leopoldense, Dr. SEJALMO SEBASTIÃO DE PAULA NERY, que merece nossa saudação e respeito pela coerência e competência.

Segue abaixo a íntegra do julgamento:

APELAÇÃO CÍVEL. RECURSO ESPECIAL. ARRENDAMENTO MERCANTIL. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. PRINCÍPIO DA BOA-FÉ. TEORIA DO ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL.
Atenta contra a boa-fé a reintegração do bem à arrendadora quando o contrato de arrendamento mercantil está substancialmente adimplido, já que importa em medida impositiva de lesão desproporcional ao consumidor. Inviabilidade do pedido.
Apelação desprovida.

Apelação Cível - Décima Quarta Câmara Cível
Nº 70006790851 - Comarca de Porto Alegre
BBV LEASING BRASIL S A ARRENDAMENTO MERCANTIL - APELANTE
MAURO EDUARDO DE ALMEIDA SILVA - APELADO

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Desembargadores integrantes da Décima Quarta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em negar provimento à apelação.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além do signatário (Presidente), os eminentes Senhores DES.ª ISABEL DE BORBA LUCAS E DES. DORVAL BRAULIO MARQUES.

Porto Alegre, 15 de março de 2007.

DES. SEJALMO SEBASTIÃO DE PAULA NERY,
Presidente e Relator.

RELATÓRIO

Des. Sejalmo Sebastião de Paula Nery (PRESIDENTE E RELATOR)

Adoto o relatório já lançado por ocasião do primitivo julgamento desta apelação, que ora retorna a esta Corte por determinação do Superior Tribunal de Justiça.

“Trata-se de apelação interposta por BB LEASING BRASIL S.A. ARRENDAMENTO MERCANTIL em face de sentença que julgou improcedente a ação de reintegração de posse ajuizada contra MAURO EDUARDO DE ALMEIDA.

Em suas razões, fls. 98/103, sustenta a legalidade da antecipação do VRG não devendo ser descaracterizado o contrato de leasing. Afirmou que mesmo havendo descaracterização para compra e venda, devem prevalecer as condições previamente ajustadas no contrato de leasing.

Alegou  cabível a demanda de recuperação do bem em face da mora, aduzindo ser injusta a posse exercida pelo apelado. Postulou a reforma da sentença para que seja julgada procedente a ação reintegratória.

Decorrido o prazo legal sem apresentação de contra-razões, subiram os autos a este Tribunal e, após redistribuição, vieram conclusos para julgamento.”

O recurso foi originariamente julgado em 24-09-2004, por esta Câmara, que, de ofício, extinguiu o processo sem julgamento do mérito, entendendo prejudicada a apelação. Entendeu este Colegiado que a antecipação do VRG descaracterizava o contrato de leasing, importando na carência de ação por impossibilidade jurídica do pedido.

BBV LEASING BRASIL S.A. ARRENDAMENTO MERCANTIL propôs recurso Especial, admitido e provido para cassar o acórdão que julgou extinto o processo sem julgamento do mérito, por entender que o contrato de arrendamento mercantil é meio idôneo para propor ação possessória.

Os autos vieram a mim conclusos para julgamento.

Foram cumpridas as determinações legais do art. 551.

É o relatório.

VOTOS

Des. Sejalmo Sebastião de Paula Nery (RELATOR)

A instituição financeira ajuizou a presente ação de reintegração de posse com base no inadimplemento de cinco, entre trinta e seis contratadas no arrendamento, o que configura adimplemento substancial.

A meu ver, o pedido não merece prosperar já que há, no pleito, evidente quebra da boa–fé que deve presidir toda e qualquer relação contratual.

O Código civil atualmente em vigor consigna, expressamente, o princípio da boa-fé, no seu art. 422, o que não fazia o Código anterior, recentemente revogado e aplicável ao caso destes autos.

Não obstante a omissão objetiva do Código Civil de 1916, o princípio da boa-fé já era amplamente reconhecido e aplicado pelo Direito brasileiro, tal como ocorria com outros institutos, como o do adimplemento substancial, do abuso de direito e da função social do contrato, por exemplo.

Foi assim que o Código de Defesa do Consumidor veio consagrar o princípio da boa-fé contratual, no art. 51, inc. IV., vendando cláusulas que com ela sejam incompatíveis.

Não se olvide, ademais, que o antigo Código Civil (art. 924), bem como o atualmente em vigor (art. 413), já conferia ao juiz a faculdade de reduzir proporcionalmente a pena estipulada pela mora ou inadimplemento, no caso de cumprimento parcial da obrigação. Com efeito, esses dispositivos legais amparam o princípio da boa-fé e, mais especificamente, o do adimplemento substancial, porque atentatório à lealdade entre as partes o apenamento daquele que se encontra parcialmente inadimplente como se integralmente o estivesse.

Nessa esteira, impossível é dissociar o dever de boa-fé do exercício dos direitos subjetivos das partes, que, na busca da realização dos seus direitos, não devem praticar atos lesivos umas às outras. Ou seja, fazer valer o seu direito, uma parte não poderá impor lesão desproporcional à outra.
É nesse ponto que merece aplicação, no caso dos presentes autos, a teoria do adimplemento substancial. Se o devedor já cumpriu substancialmente a sua obrigação, não há suporte jurídico na imposição a ele de um prejuízo desproporcional.

Assim, tendo o réu pago 31 das 36 prestações contratadas, 86% da obrigação total (contraprestação e VRG parcelado) e mais R$ 10.500,44 de valor residual garantido, pago no ato da contratação, a reintegração do bem à arrendadora se traduz em verdadeiro apenamento desproporcional, já que desapossa o arrendatário do automóvel e implica em verdadeiro perdimento das prestações já pagas e que praticamente contemplaram a totalidade da avença.

A jurisprudência brasileira vem amparando a teoria do adimplemento substancial, como se verifica em inúmeros julgados, conferindo ao julgador a tarefa de aferir, caso a caso, a substancialidade do adimplemento, como bem asseverou o eminente Desembargador LUIS AUGUSTO COELHO BRAGA, relator da apelação cível 70004624516, julgada em 16.06.2004 pela 9ª Câmara Cível deste Tribunal de Justiça.

Aqui, cumprido 86% do contrato, não vejo lesão considerável à autora, a ponto de causar desinteresse à arrendadora no adimplemento da obrigação nos seus moldes originais. Ou seja, não há razão plausível pela qual a obrigação original (pagamento de prestações pecuniárias) deva ser substituída pela execução da garantia (apreensão do bem). O inadimplemento do contrato, por parte do arrendatário, não pode se tornar evento mais rentável à empresa de leasing do que o próprio cumprimento do negócio avençado.

Na conjunção, vem a calhar os assentamentos do eminente Ministro RUI ROSADO DE AGUIAR, por ocasião do julgamento de vários recursos pelo Superior Tribunal de Justiça, dentre os quais colaciono os seguintes:

“ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. Busca e apreensão. Deferimento liminar. Adimplemento substancial.
Não viola a lei a decisão que indefere o pedido liminar de busca e apreensão considerando o pequeno valor da dívida em relação ao valor do bem e o fato de que este é essencial à atividade da devedora. Recurso não conhecido.” (REsp 469577/SC, STJ – 4ª Turma, julgado em 25.03.2003).

“ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. Busca e apreensão. Falta da última prestação. Adimplemento substancial.
O cumprimento do contrato de financiamento, com a falta apenas da última prestação, não autoriza o credor a lançar mão da ação de busca e apreensão, em lugar da cobrança da parcela faltante. O adimplemento substancial do contrato pelo devedor não autoriza ao credor a propositura de ação para a extinção do contrato, salvo se demonstrada a perda do interesse na continuidade da execução, que não é o caso.

Na espécie, ainda houve a consignação judicial do valor da última parcela.

Não atende à exigência da boa-fé objetiva a atitude do credor que desconhece esses fatos e promove a busca e apreensão, com pedido liminar de reintegração de posse. Recurso não conhecido.” (REsp 272739/MG, STJ – 4ª Turma, julgado em 01.03.2001).

Portanto, atenta contra a boa-fé a tentativa de reintegração na posse do bem quando o contrato de arrendamento mercantil está substancialmente adimplido, já que se caracteriza em medida impositiva de lesão desproporcional ao consumidor.

Assim venho me manifestando, como se verifica em outros julgados desta 14ª Câmara Cível:

“APELAÇÃO CÍVEL. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO.
ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL. Pretendendo a autora a busca e apreensão do bem, com base em negócio jurídico substancialmente adimplido, é inviável o pleito. Em uma análise fática dos autos, o devedor adimpliu quase a integralidade da obrigação. (...)” (Apelação Cível 70006888051, julgada em 15.04.2004).

No mesmo sentido foi o julgamento da AC 70001641497, acórdão de 23-11-2006, do qual também fui Relator.

Isso posto, nego provimento à apelação, mantendo a improcedência do pedido de reintegração de posse.

Des.ª Isabel de Borba Lucas (REVISORA) - De acordo.
Des. Dorval Braulio Marques - De acordo.

DES. SEJALMO SEBASTIÃO DE PAULA NERY - Presidente - Apelação Cível nº 70006790851, Comarca de Porto Alegre: "NEGARAM PROVIMENTO. UNÂNIME."

Julgadora de 1º Grau: JUDITH DOS SANTOS MOTTECY

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