quarta-feira, 7 de fevereiro de 2018

Dispensa do reconhecimento de firma e autenticação de cópias

O plenário da Câmara Municipal de Porto Alegre iniciou ontem (5), a discussão de projeto de lei apresentado pelo vereador Ricardo Gomes (PP) que dispensa o reconhecimento de firma e a autenticação de cópia dos documentos expedidos no país que sejam destinados a fazer prova em órgãos e entidades da Administração Municipal, Direta e Indireta de Porto Alegre.

Conforme a proposta, caso venha a haver dúvida fundamentada quanto à autenticidade poderá então ser exigido o documento original ou a cópia autenticada. Dessa forma, se for aprovada a matéria, os cidadãos ficarão dispensados de fazer prova documental nos órgãos e entidades citados.

O projeto de lei também defende “o estabelecimento de diretrizes a serem observáveis pelos órgãos e pelas entidades da Administração Municipal, Direta e Indireta, nas relações entre si e com os usuários dos serviços públicos, sendo consideradas a presunção de boa-fé; o compartilhamento de informações, sempre que possível, nos termos da lei e de sua regulamentação”.

Se virar lei municipal, haverá “uma atuação integrada e sistêmica na expedição de atestados, certidões e documentos comprobatórios ou semelhantes; a racionalização de métodos e procedimentos de controle; e a eliminação de formalidades e exigências cujo custo econômico ou social seja superior ao risco envolvido”.

Na justificativa da proposta, o vereador Gomes esclarece que “atualmente o Brasil se encontra na 125ª posição, entre 190 países, no Índice de Facilidade de se Fazer Negócios, elaborado anualmente pelo Banco Mundial”.

O parlamentar ainda refere que, em alguns dos quesitos do relatório da instituição financeira internacional, como “abertura de empresas” (176º), “obtenção de alvarás de construção” (170º) e “pagamento de impostos” (184º), o Brasil fica entre os últimos do ranking, atrás de países como Uganda, Gana, Sri Lanka e Tadjiquistão.

“Na prática é mais fácil abrir uma empresa em locais em guerra civil como a Síria e a Faixa de Gaza do que no Brasil”, ironiza ele.

Gomes explica ainda que o projeto visa instrumentalizar e efetivar a aplicação do conceito de presumível de boa-fé aos procedimentos diários do serviço público municipal de Porto Alegre. “A presunção de boa-fé é princípio geral de direito universalmente aceito, sendo milenar o brocardo: a boa-fé se presume; a má-fé se prova”, afirma.

O vereador arremata que “a medida proposta de imediato reduz custos cartoriais e processuais de todos os trâmites realizados em órgãos e entidades públicas do Município de Porto Alegre”.

Fonte: Espaço Vital

Auxílio-moradia para todos

A autoridade 1 acorda. Vira-se, ergue-se na cama e dá um leve beijo na testa da autoridade 2, que murmura, se remexe e acaba também por despertar.

Autoridade 1 se levanta, desliga o ar-condicionado da suíte do casal, espaço privado C, e segue para o banheiro, espaço privado D. Aqui, 20 graus; lá fora, espaço público, começa um dia com 32 graus. À tarde, serão 42 graus, com sensação térmica de 45, e 70% será o índice de umidade do ar.

Autoridade 1 toma uma ducha no boxe, espaço privado E.

Autoridade 2 vai até a cozinha, espaço privado B, onde trabalhador 1 dá bom-dia enquanto prepara a mesa do café na sala, espaço privado A. Logo mais, ambas autoridades sairão pela porta da sala, seguirão pelo corredor, outro espaço privado, e pegarão o elevador em direção à garagem, onde outro trabalhador os aguarda no carro de vidros blindados escuros e ar-condicionado a 19 graus, outro espaço privado, mas que se desloca pelo espaço público. Eles veem, mas sem serem vistos.

1 e 2 recebem auxílio-moradia, no valor total de R$ 8.600. No gabinete, espaço de edifício público de acesso controlado A, o ar-condicionado de 30.000 BTUs desregulado bate, às vezes, a medida de 17 graus, consumindo eletricidade com voracidade, acima da previsão da fábrica e das agências reguladoras, chegando à média mensal de cerca de 900 kw/h, e quase R$ 300 por mês, só naquele aparelho.

Na hora do almoço, quando a temperatura já alcançou 45 graus, o carro, com 21 graus agora, por causa das trocas térmicas, leva 1 e 2 para encontro com outras autoridades em restaurante, espaço privado comercial A, que tem controle climático na faixa dos 23 graus, para evitar que a comida esfrie rapidamente, e adega que conserva impecavelmente mais de 150 rótulos de vinho. São 16 graus para os tintos e 8 para os brancos.

Neste bairro, cidade A, o metro quadrado está avaliado em R$ 22.700. Se as janelas do restaurante não tivessem cortinas seria possível ver o céu, planeta 3, onde nuvens carregadas irão despejar mais tarde, às 16h47m, precipitação acima da média pluviométrica mensal, 150 mm, criando inundações pontuais. As autoridades decidirão encerrar o expediente mais cedo, com temor de ficarem presas no carro, na rua. Conversaram sobre solidariedade no almoço. Sobre como as críticas ao auxílio-moradia procuram abalar a moral do Judiciário, poder 3, e prejudicar o combate à corrupção. Por meio de suas agremiações de classe, instituição 12, viriam a se manifestar. A conta foi R$ 637,45. Uma das autoridades, gentil, pagou tudo.

N. J. Habraken, arquiteto e teórico, estuda os modos de organização dos espaços públicos e privados, e seus níveis de separação e interação, com o objetivo de formular soluções mais flexíveis para a habitação coletiva. Um dos grandes problemas das moradias feitas pelo Estado é a ausência de níveis de transição do público para o privado. Assim, a porta da sala dá direto no espaço comum, ficando a sala menos privada do que deveria ser, e o coletivo menos participativo. A produção em massa de habitações, por motivos de economia e escala, cria barreiras e controle, tirando a capacidade de sentir pertencimento. Consequentemente, perde-se o desenvolvimento de um espaço individual, reflexivo, crítico e criativo.

Não há lar sem posse emocional do espaço. Não há mente sã sem lar e proteção. Suas formulações mudaram a qualidade das produções públicas de moradias na Holanda, contribuindo para individualidades mais plenas e melhores cidades. Dimensões conectadas.

Fica claro que a Lava-Jato começa a confrontar seu próprio espaço âmago. Resultará saber se Ícaro sobreviverá. Nunca se tratou de guerra entre o bem e mal, mas entre o menos ruim e o pior. Os privilégios do Judiciário precisam ser enfrentados.

Do mesmo modo, há urgência de termos campanhas jogando luz sobre nossa cultura de corrupção condicionada em pequenos hábitos. Chegar atrasado é fractal de malas de dinheiro. Também precisamos combater, por meios legais, a exclusão. A Constituição impera sobre o espaço público e o privado. Diz ela nos princípios fundamentais, artigo 1º, “a dignidade da pessoa humana”, e, no artigo 2º, “erradicar a pobreza e a marginalização, e reduzir as desigualdades sociais e regionais”.

Políticas públicas que efetivem preceitos constitucionais precisarão de políticos. Ninguém acima da lei. Ninguém abandonado na rua. O Judiciário precisa mirar as causas dos problemas. Precisamos de autoridades pedestres, que convivam com a temperatura da sociedade, que conheçam a vida coletiva no espaço público. Não populistas, mas populares. Que consigam formular e implementar soluções para a vida real, quente e úmida. Que seus intelectos possam privilegiar a sociedade. Não a si mesmos.

Ou então, façamos logo o auxílio-moradia para todos, a começar pelos meninos e meninas que dormem ao relento, espaço público. Pois se são os pagadores de impostos que provêm os meios para auxiliar as autoridades, que pelo menos as crianças possam contar com seus R$ 4.300, cada uma, mesmo compartilhando a mesma cama de papelão, no mesmo “domicílio”.

Afinal, são potenciais futuros juízes. Não são? O que são então?

* * *
(*) Artigo originalmente publicado no jornal O Globo. Washington Fajardo é arquiteto e urbanista; desde 2015, é conselheiro no Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Rio de Janeiro; criador da WAU Agência Urbana; articulista dos jornais O Globo e El País Brasil.

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