O clima era de terror no ambiente de trabalho e havia humilhações
frequentes. A afirmação é de uma das testemunhas ouvidas pelo juiz do
trabalho Átila Da Rold Roesler em processo que condenou uma clínica de
odontologia da cidade de Sorriso (420 Km de Cuiabá) e um de seus
dentistas a indenizar em 400 mil reais uma ex-empregada que sofreu
Acidente Vascular Cerebral (AVC) após um dos muitos episódios de assédio
moral que sofria em serviço. A decisão foi publicada na última
sexta-feira (29).
Conforme comprovado pelo juízo, os assédios
eram cometidos pela superior hierárquica da trabalhadora, que além de
sócia-proprietária também representou a empresa nas audiências. O juiz
condenou o dentista e a clínica de forma solidária por ambos se
beneficiarem dos serviços prestados pela ex-empregada. O processo
tramita na Vara trabalhista do município sede da empresa desde janeiro
deste ano.
O magistrado tomou por base o testemunho de duas
colegas da ex-empregada que confirmaram a pressão existente no trabalho.
Além da fala descrita na abertura do texto, ainda foram destacadas na
decisão trechos dos depoimentos que reforçam as agressões psicológicas:
Toda vez que a reclamante ia cuidar da agenda [da superior], voltava
alterada, disse a outra testemunha, acrescentando que era perceptível
como ela ficava constrangida e nervosa após as reuniões.
A
relação entre os abusos e o quadro de AVC sofrido pela trabalhadora foi
confirmada pelo médico perito que analisou o caso, sendo o diagnóstico
decisivo para que o magistrado condenasse a clínica e o profissional.
Segundo o laudo, o estresse no trabalho foi fator desencadeante da
hemorragia intraparenquimatosa cerebral, por provocar uma crise
hipertensiva e consequente ruptura do caso cerebral causando o
sangramento.
É certo que o poder diretivo do empregador, enquanto
titular do empreendimento econômico, não autoriza o abuso de direito,
traduzido em práticas ofensivas aos direitos da personalidade dos
trabalhadores, lembrou o juiz Átila Da Rold Roesler, destacando que nos
dias de hoje não há mais espaço para humilhações perpetuadas no âmbito
da empresa ou de práticas que causem transtornos psicológicos ao
trabalhador. O empregado aliena apenas a sua força de trabalho e não a
sua alma ou os seus sentimentos ao detentor do capital. Assim é que a
sua condição de pessoa humana deve ser valorizada conforme os princípios
eleitos como fundamentos da República na Constituição Federal de 1988, assentou.
Indenizações
A
título de danos materiais devidos à trabalhadora, o magistrado arbitrou
o valor de 250 mil reais. O montante considerou o salário recebido pela
ex-empregada, os custos com o tratamento médico, as dificuldades que
ela terá para se realocar no mercado de trabalho, visto as dificuldades
em se adaptar a outra função já que ficou com a memória seriamente
prejudicada, bem como a idade e atual condição física (perdeu 50% da sua
capacidade laborativa).
Conforme destacou o juiz, o laudo
pericial indicou que a conduta da sócia-proprietária da empresa não
contribuiu de forma única para o AVC sofrido pela trabalhadora,
existindo outros fatores genéticos e de pré-disposição. Assim, entendeu
ser o nexo concasual.
Já pelos danos morais, o dentista e a
clínica deverão pagar outros 150 mil reais devidos pela doença
ocupacional desenvolvida após a conduta negligente da reclamada e também
pelo grave trauma que a trabalhadora acabou sofrendo. O magistrado
salientou que o montante não compreende as indenizações pelos episódios
de assédio, mas apenas pelas consequências do AVC, visto que não foram
requeridos pela ex-empregada no pedido inicial.
Laudo complementar
A
defesa dos condenados negou que tenha ocorrido a assédio no ambiente de
trabalho e ainda contestou o posicionamento do médico perito oficial,
apresentando laudo complementar contrário a decisão. O magistrado então
abriu oportunidade ao perito para manifestação, que manteve a conclusão
de seu parecer e ainda reforçou os argumentos pelos quais acabou
reconhecendo o nexo concausal, ou seja, a relação entre as agressões
cometidas e as lesões sofridas da trabalhadora.
(Processo 0000101-18.2013.5.23.0066)
Fonte: www.jusbrasil.com.br