O jornalista Frederico Vasconcelos e a professora Maria Tereza Sadek, pesquisadora
da USP e especialista em questões do Judiciário, participaram de debate
sobre o relacionamento do Poder Judiciário com a sociedade e formas de
aprimoramento da Justiça do Trabalho.
O evento, sob o tema “O Judiciário e a Sociedade: um diálogo necessário“, aconteceu
durante o 17º Congresso Nacional dos Magistrados da Justiça do
Trabalho, em Gramado (RS), na última quarta-feira (30/4).
O debate foi mediado pelo juiz do Trabalho da 1ª Região Roberto da Silva Fragale Filho.
Pela primeira vez, a Anamatra recebeu teses e sugestões de estudantes
de direito, advogados e representantes da sociedade civil para
discutir, no congresso, aspectos relevantes da Justiça do Trabalho. O
fato foi elogiado pelos dois expositores. Participaram do evento
representantes do Judiciário, do Executivo e do Legislativo.
A seguir, trechos da exposição do repórter:
“O desgaste do Judiciário não pode ser atribuído à má-vontade da
imprensa. Em parte, ocorre porque o Judiciário não consegue dar uma
resposta mais rápida ao acúmulo de processos, o que gera a sensação de
impunidade. Em parte, por causa da impunidade real, provocada por um
sistema que permite a chicana, os recursos protelatórios, dificultando a
realização da Justiça. Mas o desgaste também se deve a procedimentos
pouco republicanos de tribunais. Questiona-se por que a imprensa cobra
informações sobre os vencimentos dos magistrados, mas o maior tribunal
do país mantinha uma folha de pagamento paralela, processada em outro
prédio, fazendo depósitos fora do holerite. A transparência é uma
exigência da sociedade.”
“Uma consulta à agenda da Anamatra revela que a associação está
alerta e se opõe a projetos do Legislativo que ameaçam garantias do
trabalhador, busca obter no próprio Judiciário a garantia das
prerrogativas da magistratura, a remuneração devida dos membros do
Judiciário. Defende o fortalecimento dos juízes de primeiro grau, as
eleições diretas para escolha de dirigentes de tribunais, a
vitaliceidade e a independência dos juízes.”
“Parece-me contraditório, contudo, que associações de juízes defendam
a eleição direta para os cargos de direção de tribunais –uma causa
justa– e mantenham a prática de promover coquetéis e recepções a cada
posse de um novo presidente do Supremo Tribunal Federal. Trata-se de uma
sucessão prevista, ou seja, um procedimento administrativo, um
rodízio.”
“Há alguns obstáculos ao maior diálogo entre o Judiciário e a
sociedade, como a dificuldade em conciliar o tempo do processo e a
busca, pela imprensa, da informação, numa competição acirrada pelo ‘furo
online’.”
“A cada dois anos, os tribunais mudam o comando da administração, e
cada novo presidente decide o grau de transparência de sua gestão.”
“Suponho que a divulgação mais eficiente da ação da Justiça do
Trabalho contra as práticas inaceitáveis seria aquela veiculada nos
órgãos de imprensa mais próximos da comunidade onde os abusos foram
cometidos. Mas sabe-se que, nos centros mais distantes, a imprensa está
mais sujeita a pressões políticas e a restrições de anunciantes.”
“Entendo que a Anamatra –ao lado de outras associações—estava na
contramão do sentimento da sociedade ao propor uma queixa-crime contra a
ministra corregedora Eliana Calmon, peça rejeitada pelo então
procurador-geral da República. Sabemos todos que a corrupção não é o
maior problema do Judiciário. Mas são incalculáveis os danos causados
por um único juiz corrupto que continua com o poder de sentenciar.”
“Não vi nenhuma nota oficial de entidade ou de tribunal do Trabalho
noticiando que o TRT de Goiás, numa atuação que merece elogios, afastou
um desembargador envolvido com a quadrilha de Carlinhos Cachoeira.”
“Às voltas com acúmulo de processos e falta de recursos, os tribunais
desperdiçam tempo e dinheiro com distribuição de medalhas e cerimônias
que apenas atiçam a fogueira das vaidades.”
“Para encerrar, reforço minha admiração pela iniciativa da Anamatra,
ao se dispor a ouvir a sociedade. Faço isso com a convicção de que nós,
jornalistas, cultivamos pouco a prática de ouvir e aceitar as opiniões
divergentes. Concluo minha exposição reproduzindo afirmação do
presidente da Anamatra, Paulo Schmidt: ‘Numa sociedade democrática a
independência da magistratura é a maior garantia da cidadania’.”
“E a independência da imprensa também, acrescento”.
A seguir, um resumo da exposição de Maria Tereza Sadek:
Em sua intervenção, a professora Maria Tereza Sadek contextualizou
historicamente a relação do Poder Judiciário com a sociedade,
demonstrando as diferenças nesse relacionamento nos sistemas
parlamentarista e presidencialista de governo. Nesse aspecto, explicou
que o Judiciário no parlamentarismo não é um poder de Estado, uma vez
que não detém a atribuição de exercer o controle de constitucionalidade
das decisões do Legislativo ou do Executivo. No Brasil, após a
Constituição de 1988, com a adoção do sistema presidencialista e com a
constitucionalização de um amplo rol de direitos, chegamos a uma
situação de forte empoderamento do Poder Judiciário.
No Estado de Direito, a adoção dos princípios liberais implicava a
presença de um juiz afastado da sociedade. Aquela construção
institucional era marcada pela prevalência da Lei. A aplicação da lei de
uma forma imparcial e igualitária exigia a criação de um personagem
distante das mazelas do dia a dia, daí o juiz identificado como a boca
da lei, um personagem cuja atribuição principal era solucionar os
conflitos com base na lei. Para o juiz típico do Estado de Direito
Liberal, as questões sociais não tinham importância. A expressão “só
existe o que consta dos autos” resume com precisão aquele modelo.
Atualmente, contudo, o modelo de relacionamento do Poder Judiciário
com a sociedade é bastante diferente daquele do século XIX. A rigor, a
democracia constitucional passou a exigir um tipo distinto de juiz. Um
juiz ator político, co-responsável por políticas públicas. O século XX
presenciou mudanças significativas no Poder Judiciário, aproximando de
certa forma os Judiciários dos sistemas parlamentarista e
presidencialistas. O reconhecimento dos direitos sociais provocarão
alterações tanto na participação do Judiciário como na relação da
instituição com a sociedade Todas as grandes questões passam pelo Poder
Judiciário. Os direitos sociais demandam um Estado interventor e, nessa
medida, um Judiciário que corresponda a essa exigência.
O modelo presidencialista democrático constitucional exige que o
Judiciário se pronuncie sobre variados temas . “O Judiciário se torna,
para o bem ou para o mal, um ator político relevante. Outro aspecto que
deve ser ressaltado diz respeito à heterogeneidade da sociedade. “Temos
uma sociedade marcada por um extrema desigualdade, uma desigualdade
cumulativa. Em contraste, temos, do ponto de vista legal, uma cidadania
universal”.
O Judiciário brasileiro dos últimos anos adotou práticas inovadoras,
como, por exemplo, audiências públicas e julgamentos televisionados.
Ademais, a maior presença de magistrados na arena pública implica
questões de natureza ética diversas daquelas de quando o juiz
representava a boca da lei. No presente, ele se abre para um diálogo
para a sociedade. Suas decisões passam a levar em consideração as
possíveis consequências sociais e econômicas que afetam a sociedade como
um todo. E esse é um embate ético para o qual os magistrados não vêm
sendo preparados. Um dos problemas nesse sentido, na avaliação da
professora, é o próprio currículo das faculdades de Direito, que ainda é
positivista e baseado em preceitos adversariais e não de conciliação.
Muitas decisões do Poder Judiciário têm reflexos na sociedade como um
todo a exemplo dos julgamentos relativos à questão das cotas, pesquisas
com células-tronco, união homo-afetiva, nepotismo, aborto de
anencéfalos e marcha da maconha. Nesse aspecto, afirmou que o Judiciário
muitas vezes vem preenchendo omissões do legislativo.
Fonte: http://blogdofred.blogfolha.uol.com.br/