Uruguaiana, 28 de janeiro de 2019.
Ao
Espaço Vital
Ref. Tartaruga judiciária e desrespeito às prerrogativas
Vimos, infelizmente, compartilhar com os colegas advogados a existência de mais uma tartaruga judiciária e desrespeito às prerrogativas dos advogados em processo que tramita perante a 2ª Vara Cível da comarca de São Borja-RS (n° 030/1.11.0005972-6). Em resumo, trata-se de ação indenizatória em que os autores postularam a condenação dos réus ao pagamento de indenização por dano moral e material.
Após regular trâmite judicial com o trânsito em julgado, foi celebrado acordo extrajudicial pelas partes estabelecendo a quota indenizatória cabível para cada autor, honorários contratuais e honorários advocatícios sucumbenciais aos procuradores dos autores e da ré. O acordo teve parecer favorável do Ministério Público e foi devidamente homologado pelo Juízo por sentença em 24 de abril de 2019, com depósito judicial do valor integral pela seguradora ré.
As partes foram intimadas da sentença que homologou o acordo em 7 de junho de 2019 (publicação no DJ), com o trânsito em julgado em 28 do mesmo mês, sem qualquer manifestação das partes.
Os procuradores dos requerentes e da ré postularam a expedição de alvarás para levantamento dos valores concernentes aos honorários advocatícios e à quota-parte de titularidade da autora maior, com o depósito dos valores de titularidade dos menores em conta-poupança.
Sucederam-se dois despachos intimando o Ministério Público, os réus e os autores sobre os pedidos, sendo que todos concordaram expressamente com os pleitos realizados.
Passados cinco meses do trânsito em julgado da sentença que homologou o acordo extrajudicial celebrado, foi proferido o seguinte despacho:
"Vistos. Considerando a manifestação de fls. 671/672, bem como diante da concordância do Ministério Público, expeçam-se alvarás dos valores relativos aos honorários de sucumbência (R$ ... - valor fixo) e honorários contratuais (R$ ... - valor fixo) em favor do procurador da parte autora, devendo aguardar o prazo recursal em razão do elevado valor dos alvarás. Outrossim, expeçam-se alvarás em favor da autora [...] no valor fixo de R$ ... e em benefício do procurador da ré [...] no valor fixo de R$ ... , os quais deverão aguardar o prazo recursal. Por fim, com relação aos valores destinados aos autores [...], indefiro o pedido de expedição de alvará, porquanto deverão ser depositados em seus nomes, em conta judicial vinculada ao presente feito (valores indicados à fl. 665). Oficie-se ao Banrisul e solicite-se abertura de conta em nome dos menores acima mencionado. Com a abertura, proceda-se na transferência dos valores, conforme informado à fl. 665, podendo somente ser movimentada mediante autorização do Juízo e por meio de alvará judicial. Intimem-se. Diligências legais”. (ass.) Diego Teixeira Delabary, juiz de Direito).
(Os valores respectivos estão disponíveis na informação processual no saite do TJRS: proc. nº 030/1.11.0005972-6).
Ou seja, em cumprimento à sentença judicial que homologou o acordo extrajudicial, após mais de cinco meses do trânsito em julgado e da concordância das partes e do Ministério Público, o despacho judicial determinou que a expedição dos alvarás aos procuradores e às partes dos valores de sua titularidade devem aguardar o decurso de prazo recursal em razão do elevado valor dos alvarás (sic!)!
Mesmo com a renúncia ao prazo recursal, considerando a pluralidade de partes e procuradores, o término do "prazo" ocorrerá/ocorreria em 27/02/2020. Ou seja, a expedição dos alvarás somente transcorridos 10 (dez) meses da sentença que homologou o acordo!
Antes do referido despacho, os procuradores das partes tentaram por diversas vezes falar com o magistrado e com os servidores do gabinete para o cumprimento do acordo celebrado, tentativas estas todas infrutíferas.
Inobstante, os procuradores da parte autora registraram reclamação perante a Ouvidoria do TJRS, salientando que já haviam transcorrido cinco meses da homologação do acordo e não havia a liberação das quantias depositadas. A resposta do órgão foi de que “não havia nada de errado na tramitação processual!”
Após a prolação do despacho acima transcrito, os procuradores e a parte autora interpuseram correição parcial (proc. n° 70083454348) objetivando a correção do erro judiciário e a expedição dos alvarás sem necessidade do transcurso do prazo recursal, até porque inexiste prazo recursal de despacho!
Para a surpresa dos procuradores, a 11ª Câmara Cível do TJRS julgou de plano improcedente a correição parcial sob fundamento de que não havia qualquer inversão tumultuária do processo e tampouco 'error in procedendo'.
Dada a relevância ao caso, transcrevemos parcialmente a decisão monocrática prolatada:
"Pois bem. Nesta moldura fático-probatória, não vislumbro ato jurisdicional passível de corrigenda na via da correição parcial. Com efeito, o cenário processual da ação originária justifica a prudente cautela adotada pelo magistrado a quo na autorização de levantamento dos valores depositados judicialmente. Como fundamentado pelo julgador a quo, trata-se de depósito judicial de elevado valor, âmbito em que, diante da potencial irreversibilidade da medida de levantamento das quantias depositadas, mostra-se razoável aferir, formalmente, a ausência de irresignação das partes, mediante o trânsito em julgado da decisão determinativa de expedição de alvará, para somente então autorizar a efetiva liberação." (Ass.: Aymoré Roque Pottes de Mello, desembargador relator).
Ou seja, mesmo que as partes e o Ministério Público já tenham se manifestado por mais de uma vez concordando expressamente com o acordo extrajudicial celebrado - o qual inclusive foi homologado por sentença judicial transitada em julgado há mais de cinco meses, o desembargador relator refere que há necessidade de aferir a "concordância formal" das partes!
Outrossim, equivocou-se o relator ao ignorar o fato de se tratar de despacho judicial, o qual não tem prazo recursal! Omite também o fato de as partes e do Ministério Público já terem declarado expressamente que concordavam com o acordo celebrado e com a liberação dos valores!
Por fim, sobre o 'suposto' elevado valor mencionado, considerando que são três os procuradores da parte autora, os honorários advocatícios e sucumbenciais de atinentes a cada um são inferiores ao subsídio mensal da magistratura.
Fica uma pergunta. O pagamento do subsídio mensal também deve aguardar o prazo recursal por se tratar de "elevado valor"?
Atenciosamente,
Daniel Bofill Vanoni, OAB/RS n° 82.867 (danielbofill@gmail.com),
Teofilo Carvalho Reyes, OAB/RS nº 67.742 e
Arnildo José Bolson, OAB/RS nº 82.577.
Fonte: espaço vital