segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Falsa promessa de emprego gera indenização por danos morais

Mesmo que o processo seletivo não confira certeza de admissão, para a Justiça do Trabalho do Rio Grande do Sul há direito à recomposição do prejuízo causado na fase pré-contratual. A consideração embasa o acórdão da 9ª Turma do TRT-RS, que reformou sentença e condenou uma metalúrgica a indenizar trabalhador que nem chegou a fazer parte do seu quadro de funcionários.

O candidato ao emprego passou por todas as etapas do processo seletivo da reclamada para a vaga de retificador. Entregou seu currículo e CTPS, realizou os exames admissionais de praxe, incluindo os de sangue, urina, audiometria e visão, além de ter sido entrevistado pela representante do RH da empresa.

O autor afirmou ter assinado um contrato de experiência, o que lhe deu segurança para pedir demissão de seu antigo emprego. Ao chegar na reclamada no dia combinado para iniciar suas atividades, a celebração contratual foi frustrada.

O reclamante, presente à palestra de integração, foi chamado, durante a exposição, para uma outra sala onde devolveram sua CTPS informando que ele não mais seria contratado.

A Juíza Marilene Sobrosa Friedl, atuante na 1ª Vara do Trabalho de Caxias do Sul, julgou a ação improcedente, verificando a inexistência de provas e testemunhas que respaldassem o depoimento do reclamante.

A magistrada entendeu também que não houve indução ao pedido de demissão do antigo emprego e que, portanto, não há evidência de que tenha havido qualquer agressão, pela ré, a bem psíquico do autor.

O relator do recurso, Juiz Convocado Marçal Henri Figueiredo, declarou que mesmo diante da ausência de prova de que as partes firmaram contrato de experiência, é incontroverso que o reclamante participou de um processo seletivo na reclamada, fato que foi confirmado pela preposta da empresa.

Sob esse entendimento e reprovando a conduta da reclamada, o colegiado foi unânime em fixar indenização no valor de R$ 6 mil reais por danos morais.

Cabe recurso à decisão.

( Processo 0000318-59.2010.5.04.0401 )


Fonte: Tribunal Regional do Trabalho 4ª Região Rio Grande do Sul, 26.11.2010

sábado, 27 de novembro de 2010

Agora é súmula: MP não pode propor ação em benefício de segurado do DPVAT

A Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) aprovou a Súmula 470 com a seguinte redação: “O Ministério Público não tem legitimidade para pleitear, em ação civil pública, a indenização decorrente do DPVAT em benefício do segurado.” O relator do projeto de súmula foi o ministro Aldir Passarinho Junior.

A Súmula 470 foi elaborada para fixar o entendimento de que o Ministério Público (MP) não tem legitimidade para pleitear em juízo o recebimento pelos particulares contratantes do DPVAT – chamado de seguro obrigatório – de complementação de indenização na hipótese de ocorrência de sinistro. Isso porque se trata de direitos individuais identificáveis e disponíveis, cuja defesa é própria da advocacia.

No precedente que unificou o entendimento das duas Turmas de direito privado do STJ, o Ministério Público do Estado de Goiás constatou, em inquérito civil, que vítimas de acidentes de trânsito receberam indenização em valores inferiores aos previstos em lei. Por isso, o MP ajuizou ação civil pública contra a seguradora. O objetivo era garantir a complementação do pagamento e indenização por danos morais às pessoas lesadas.

O relator do precedente, ministro João de Otávio de Noronha, destacou que a Lei Orgânica do Ministério Público determina que cabe a este órgão a defesa de direitos individuais indisponíveis e homogêneos. Mas, para ele, o fato de a contratação do seguro ser obrigatória e atingir toda a população que utiliza veículos automotores não configura indivisibilidade e indisponibilidade. Também não caracteriza a relevância social necessária para permitir defesa por ação coletiva proposta pelo Ministério Público.

Para reforçar o entendimento, o relator do precedente explicou no voto que o seguro obrigatório formaliza um acordo que vincula apenas a empresa de seguro e o segurado. Essa é uma relação de natureza particular, tanto que, na ocorrência de um sinistro, o beneficiário pode deixar de requerer a cobertura ou dela dispor como bem entender. Por isso, não se trata de um direito indisponível.

Fonte: STJ

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Novo CPC irá reduzir em até 70% a duração do processo, prevê ministro Luiz Fux

O Projeto de Lei n. 166/2010, que cria o novo Código de Processo Civil (CPC), está pronto para ser votado no Senado. O texto que irá à discussão e votação foi apresentado nesta quarta-feira (24) pelo senador Valter Pereira (PMDB-MS), na comissão especial de senadores criada para elaborar o projeto.

O texto não foi votado na comissão por falta de quorum. Uma nova sessão foi marcada para a próxima terça-feira (30). Uma vez aprovado, o projeto segue para o plenário do Senado e, depois, para a Câmara dos Deputados.

Ao apresentar o relatório, o senador Valter Pereira fez questão de homenagear os juristas que elaboraram o texto original, que foi majoritariamente mantido. A partir dos debates em dez audiências públicas realizadas nas principais capitais do país, foram feitas algumas alterações.

O relatório suprimiu a possibilidade que havia sido dada aos juízes de alterar ou adaptar procedimentos nos casos concretos, como aumentar prazos e inverter ordem de produção de provas. As discussões apontaram risco para a segurança jurídica, uma vez que cada magistrado poderia acabar criando seu próprio código.

Outra mudança diz respeito aos honorários em ações contra a Fazenda Pública, que passam a ser regressivos conforme o valor da causa. Quanto maior a causa, menor o percentual de honorários. Quanto aos mediadores, não há mais a exigência de que eles sejam obrigatoriamente advogados. Profissionais de outras áreas também poderão auxiliar a intermediação de uma solução amigável entre as partes.

O relator destacou que o projeto foi amplamente debatido e que recebeu quase mil contribuições de instituições, operadores do direito e acadêmicos. “Jamais na história um código passou por tamanha consulta popular. Nunca um código foi construído de maneira tão aberta. Do cidadão mais simples ao mais prestigiado e culto jurista, todos puderam opinar”, ressaltou o senador.

Com 1.008 artigos (212 a menos que o atual, de 1.973) distribuídos em cinco livros, o novo código foi concebido com a missão de simplificar procedimentos processuais e reduzir as possibilidades de recursos, tudo para atingir um objetivo maior: dar ao cidadão uma Justiça mais célere.

O ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Luiz Fux, coordenador da comissão externa de juristas que elaborou o anteprojeto, estima que, em contenciosos de massa, o novo código permitirá a redução de até 70% no tempo de duração do processo. “Já os processos tradicionais, pela eliminação das formalidades, nós podemos assegurar que a duração será reduzida em 50%”, calcula.

De acordo com Fux, as possibilidades de recursos serão reduzidas sem afetar o amplo direito de defesa. “O que vai haver é a supressão de alguns recursos que se revelavam absolutamente inúteis, apenas prolongavam os processos desnecessariamente”, explica. “Se antes a parte podia, a cada passo do juiz, impugnar uma decisão desfavorável em relação a uma questão formal, agora ela o fará com um único recurso ao final do processo”, completa.

O ministro Luiz Fux participou da sessão em que o relatório foi apresentado e aprovou as mudanças, que, para ele, são “diminutas”. Segundo Fux, o texto preserva as três linhas mestras do anteprojeto: institui as condições para uma prestação jurisdicional mais ágil; estabelece um processo menos formal que permite uma resposta judicial mais imediata; e fortalece a jurisprudência dos tribunais superiores.

Mozart Valadares, presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), parabenizou os juristas e senadores que construíram o novo CPC. Ele ressaltou que a maioria das sugestões apresentadas pela entidade foi acatada e afirmou que o novo CPC é da nação brasileira, que participou efetivamente de sua elaboração.

O presidente do Conselho Federal da OAB, Ophir Cavalcante, afirmou que a entidade sempre foi muito prestigiada pelas comissões de juristas e senadores, tendo atendidas diversas de suas reivindicações. Segundo ele, “a ordem [OAB] recebe o projeto como a modernização do processo civil”.

Fonte: STJ

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Empresas de telecomunicações são condenadas por fazer e divulgar lista de “empregados bigorna”

Muitos dos processos que chegam à Justiça do Trabalho mineira revelam o total despreparo dos prepostos das empresas no trato com seus subordinados. São casos de superiores hierárquicos que usam métodos exagerados na hora de cobrar metas, submetendo empregados a situações vexatórias.

Em linhas gerais, a exigência de metas não representa, necessariamente, prática ofensiva, mas a divulgação dos resultados merece um mínimo de critério e zelo, pois uma divulgação inadequada pode representar instrumento de ofensa à intimidade e à dignidade da pessoa humana.

Nesse sentido, da mesma forma que a cobrança de metas faz parte do poder diretivo do empregador, o uso desse poder para alcançá-las deve sofrer certas limitações. Conforme alertou o juiz Agnaldo Amado Filho, o empregador deve se cercar de cuidados, já que ele é responsável pelo modo de agir do preposto da empresa, pois a conduta deste não pode ser incompatível com as metas a serem alcançadas.

Na época em que atuava na 3ª Vara do Trabalho de Juiz de Fora, o magistrado julgou uma ação, na qual uma representante de telemarketing postulou indenização por danos morais, pelo fato de ter sido exposta a situação vexatória e humilhante perante seus colegas.

Ficou comprovado que o supervisor da equipe tinha o hábito de divulgar, de forma inadequada, os maus resultados alcançados por certos empregados, dentre os quais a reclamante. Ela relatou que o supervisor enviava, diariamente, para os componentes da equipe, e-mails contendo as relações de empregados que cumpriam ou não as metas estipuladas.

Examinando as mensagens contidas nesses e-mails, juntadas ao processo, o juiz verificou que o supervisor usava o termo “bigornas” para caracterizar os empregados que não cumpriram as metas, ou seja, os que puxavam a equipe para baixo. Bigorna é um utensílio de ferro sobre o qual se malha ou bate metais. O termo simboliza grande dificuldade.

Como a reclamante sempre figurava na lista dos “bigornas”, tornou-se uma vítima constante das mensagens ofensivas. Esses fatos foram confirmados por todas as testemunhas, inclusive as indicadas pelas empresas reclamadas.

Em sua sentença, o magistrado define assédio moral como o “terror psicológico exercido pelo empregador, consistente em atos reiterados e sucessivos, buscando minar a resistência do empregado, através de investidas contra sua dignidade e honradez, almejando a obtenção de resultados vantajosos à política empresarial” .

Para o julgador, não há dúvidas de que a empresa, na ânsia de exigir o cumprimento de metas cada vez maiores, para obter mais lucro, acabou assediando moralmente a trabalhadora, através dos atos do seu supervisor.

Diante desse quadro, o juiz sentenciante decidiu que as empresas reclamadas devem responder igualmente pela obrigação de pagar à trabalhadora uma indenização por danos morais, fixada em R$5.000,00, além de parcelas decorrentes de diferença salarial, deferidas na sentença. O TRT mineiro confirmou o valor da condenação.

( RO - 00749-2009-037-03-00-3 )


Fonte: Tribunal Regional do Trabalho 3ª Região Minas Gerais, 24.11.2010

Empresa de vigilância não consegue reduzir indenização por dano moral

A empresa baiana Multiservi – Serviços Especializados de Vigilância Ltda. tentou reduzir o valor de indenização por danos morais devida a um empregado que ficou praticamente cego em acidente de trabalho, mas o valor, estimado em cerca de R$ 100 mil, ficou mantido na Oitava Turma do Tribunal Superior do Trabalho.

O empregado foi contratado como vigilante pela Multiservi em março de 1993. Em dezembro do mesmo ano, quando fazia a ronda em uma empresa da Petrobras, onde prestava serviços terceirizados, foi atingido por um jato de escapamento de amônia. Ele perdeu a vista do olho esquerdo e ficou com apenas 85% de visão no olho direito. Em 1999, foi aposentado por invalidez, aos 33 anos de idade.

Sentindo-se prejudicado com a situação, ingressou com reclamação na Vara do Trabalho de Candeias (BA) e conseguiu, entre outros, o direito de ser indenizado por danos morais. O valor de R$ 100 mil corresponde ao valor do salário que recebia multiplicado pelo número de meses que lhe faltaria para completar 60 anos, conforme a expectativa de vida do homem médio, concluiu o juiz.

Ao confirmar a sentença, considerando o valor da condenação razoável, o Tribunal Regional da 5ª Região (BA) manifestou que o empregado “teve sua visão comprometida muito jovem, quando se encontrava em plena capacidade produtiva” e as repercussões negativas que tem que suportar envolvem tanto sua vida profissional como pessoal.

Em vão, a empresa recorreu, alegando que o valor da indenização ultrapassava os limites da razoabilidade. O relator do recurso empresarial na Oitava Turma, ministro Márcio Eurico Vitral Amaro, não conheceu (rejeitou) o apelo.

Entendeu o relator que o TRT agiu corretamente ao manter a sentença, pois o valor da condenação foi fixado, levando-se em conta as circunstâncias fáticas e os princípios da razoabilidade e proporcionalidade relativas ao caso. A decisão foi por unanimidade.


( RR - 20140-52.2002.5.05.0121 )

Fonte: Tribunal Superior do Trabalho, por Mário Correia, 24.11.2010

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Juízes tentam impedir avanços na lei para punir magistrados corruptos. Eliseu Padilha cede à pressão

Editorial do Jornal O Estado de São Paulo explica o lobby que as entidades de juízes estão fazendo, corporativamente, para frear alguns avanços na legislação no tocante à fiscalização dos magistrados. Assim, a corrupção nos tribunais poderá continuar sendo premiada com polpudas aposentadorias. O deputado federal Eliseu Padilha (PMDB) cedeu à pressão e fez na Câmara o que desejavam as entidades dos juízes. Leia e entenda.

As pretensões da magistratura

Editorial do Estadão

Desde que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) centralizou o julgamento de processos administrativos abertos contra juízes acusados de nepotismo, tráfico de influência e corrupção, passando a fazer o que as corregedorias judiciais não vinham fazendo por razões corporativas, as entidades sindicais da magistratura lançaram duas frentes de luta para reduzir as sanções que podem ser aplicadas a integrantes da categoria. Em quase cinco anos de funcionamento, o CNJ já puniu 26 magistrados.

Na arena parlamentar essas entidades tentam evitar a aprovação de Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que agrava a pena administrativa máxima a juízes corruptos. Prevista pela Lei Orgânica da Magistratura, a aposentadoria compulsória é a maior punição administrativa que um juiz pode sofrer. Ela foi aplicada a 19 dos 26 magistrados já condenados pelo CNJ - entre eles, 3 desembargadores do Tribunal de Justiça de Mato Grosso, 1 desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e até de 1 ministro do Superior Tribunal de Justiça, que no passado dirigiu a Associação dos Magistrados Mineiros, a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e a Federação Latino-americana de Magistrados. Os dois últimos foram acusados de terem recebido dinheiro em troca de concessão de liminares e de darem sentenças favoráveis a empresas de caça-níqueis.

O problema da aposentadoria compulsória é que ela premia o magistrado condenado no plano administrativo por corrupção com salários proporcionais ao tempo de serviço. Alegando que essa prerrogativa é imoral, foram apresentadas duas PECs com o objetivo de revogá-las. A primeira foi apresentada em 2003 pela senadora Ideli Salvatti (PT-SC). A segunda PEC, de autoria do deputado Raul Jungmann (PPS-PE), foi protocolada em 2007. Enquanto esta última vem tramitando lentamente, a primeira já foi aprovada em dois turnos pelo Senado. Mas, na Câmara, acaba de sofrer a primeira derrota.

Atendendo a um pedido da AMB, o presidente da Comissão de Constituição e Justiça, deputado Eliseu Padilha (PMDB-RS), emitiu parecer contrário ao seu acolhimento. Endossando a tese da entidade, cujos diretores acusam a PEC da senadora Ideli Salvatti de "fragilizar" a magistratura, ele afirmou que o afastamento de juízes por decisão administrativa deixa a corporação vulnerável a "perseguições ou censura". Segundo Padilha, penas como perda do cargo só poderiam ser decretadas por sentença judicial. "A proposta não retira garantias dos magistrados, que devem estar incomodados com as decisões do CNJ", refuta o presidente da OAB, Ophir Cavalcanti.

A outra frente de luta da magistratura foi aberta no campo judicial. Em nova ofensiva contra o CNJ, a AMB e a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) ajuizaram duas ações diretas de inconstitucionalidade (Adins) questionando a competência do órgão para baixar resoluções com o objetivo de coibir a corrupção nos tribunais. O principal alvo das duas entidades é a Resolução n.º 30, que uniformizou os procedimentos para o julgamento administrativo de juízes acusados de irregularidades. Baixada em 2007, ela foi recebida pela magistratura como uma capitis diminutio das corregedorias judiciais. Para a AMB e a Anamatra, o CNJ não poderia legislar administrativamente sobre a matéria, devendo limitar-se ao exame das decisões dos tribunais e suas corregedorias.

Se ceder ao corporativismo e julgar favoravelmente as duas Adins, o Supremo estará promovendo um perigoso retrocesso. Isso porque, se a Resolução n.º 30 for considerada inconstitucional, as 19 aposentadorias compulsórias já aplicadas pelo órgão responsável pelo controle externo do Judiciário, em cinco anos de existência, poderão ser anuladas. E, com isso, juízes condenados por corrupção poderão retornar à carreira.

A OAB e o MP já começaram a se mobilizar para tentar deter o poderoso lobby da magistratura nos campos político e jurídico. O embate mostra como é difícil modernizar as instituições brasileiras e acabar com o corporativismo que compromete sua eficiência e credibilidade.

Fonte: Diego Casagrande

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Perda da chance: uma forma de indenizar uma provável vantagem frustrada

Surgida na França e comum em países como Estados Unidos e Itália, a teoria da perda da chance (perte d’une chance), adotada em matéria de responsabilidade civil, vem despertando interesse no direito brasileiro – embora não seja aplicada com frequência nos tribunais do país.

A teoria enuncia que o autor do dano é responsabilizado quando priva alguém de obter uma vantagem ou impede a pessoa de evitar prejuízo. Nesse caso, há uma peculiaridade em relação às outras hipóteses de perdas e danos, pois não se trata de prejuízo direto à vítima, mas de uma probabilidade.

Não é rara a dificuldade de se distinguir o dano meramente hipotético da chance real de dano. Quanto a este ponto, a ministra Nancy Andrighi, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), avalia que “a adoção da teoria da perda da chance exige que o Poder Judiciário bem saiba diferenciar o ‘improvável’ do ‘quase certo’, bem como a ‘probabilidade de perda’ da ‘chance de lucro’, para atribuir a tais fatos as consequências adequadas”.

O juiz aposentado do Primeiro Tribunal de Alçada Civil de São Paulo Sílvio de Salvo Venosa, autor de vários livros sobre direito civil, aponta que “há forte corrente doutrinária que coloca a perda da chance como um terceiro gênero de indenização, ao lado dos lucros cessantes e dos danos emergentes, pois o fenômeno não se amolda nem a um nem a outro segmento”.

Show do milhão

No STJ, um voto do ministro aposentado Fernando Gonçalves é constantemente citado como precedente. Trata-se da hipótese em que a autora teve frustrada a chance de ganhar o prêmio máximo de R$ 1 milhão no programa televisivo “Show do Milhão”, em virtude de uma pergunta mal formulada.

Na ação contra a BF Utilidades Domésticas Ltda., empresa do grupo econômico Silvio Santos, a autora pleiteava o pagamento por danos materiais do valor correspondente ao prêmio máximo do programa e danos morais pela frustração. A empresa foi condenada em primeira instância a pagar R$ 500 mil por dano material, mas recorreu, pedindo a redução da indenização para R$ 125 mil.

Para o ministro, não havia como se afirmar categoricamente que a mulher acertaria o questionamento final de R$ 1 milhão caso ele fosse formulado corretamente, pois “há uma série de outros fatores em jogo, como a dificuldade progressiva do programa e a enorme carga emocional da indagação final”, que poderia interferir no andamento dos fatos. Mesmo na esfera da probabilidade, não haveria como concluir que ela acertaria a pergunta.

Relator do recurso na Quarta Turma, o ministro Fernando Gonçalves reduziu a indenização por entender que o valor advinha de uma “probabilidade matemática” de acerto de uma questão de quatro itens e refletia as reais possibilidades de êxito da mulher.

De acordo com o civilista Miguel Maria de Serpa Lopes, a possibilidade de obter lucro ou evitar prejuízo deve ser muito fundada, pois a indenização se refere à própria chance, não ao lucro ou perda que dela era objeto.

Obrigação de meio

A teoria da perda da chance tem sido aplicada para caracterizar responsabilidade civil em casos de negligência de profissionais liberais, em que estes possuem obrigação de meio, não de resultado. Ou seja, devem conduzir um trabalho com toda a diligência, contudo não há a obrigação do resultado.

Nessa situação, enquadra-se um pedido de indenização contra um advogado. A autora alegou que o profissional não a defendeu adequadamente em outra ação porque ele perdeu o prazo para interpor o recurso. Ela considerou que a negligência foi decisiva para a perda de seu imóvel e requereu ressarcimento por danos morais e materiais sofridos.

Em primeira instância, o advogado foi condenado a pagar R$ 2 mil de indenização. Ambas as partes recorreram, mas o tribunal de origem manteve a sentença. No entendimento da ministra Nancy Andrighi, relatora do recurso especial na Terceira Turma, mesmo que comprovada a culpa grosseira do advogado, “é difícil antever um vínculo claro entre esta negligência e a diminuição patrimonial do cliente, pois o sucesso no processo judicial depende de outros fatores não sujeitos ao seu controle.”

Apesar de discorrer sobre a aplicação da teoria no caso, a ministra não conheceu do recurso, pois ele se limitou a transcrever trechos e ementas de acórdãos, sem fazer o cotejo analítico entre o acórdão do qual se recorreu e seu paradigma.

Evitar o dano

Em outro recurso de responsabilidade civil de profissional liberal, o relator, ministro Massami Uyeda, não admitiu a aplicação da teoria da perda da chance ao caso, pois se tratava de “mera possibilidade, porquanto o dano potencial ou incerto, no âmbito da responsabilidade civil, em regra, não é indenizável”.

No caso, um homem ajuizou ação de indenização por dano moral contra um médico que operou sua esposa, pois acreditava que a negligência do profissional ao efetuar o procedimento cirúrgico teria provocado a morte da mulher.

A ação foi julgada improcedente em primeira instância, sob três fundamentos: o autor deveria comprovar, além do dano, o nexo causal e a culpa do médico; as provas produzidas nos autos não permitem atribuir ao médico a responsabilidade pelos danos sofridos pelo marido; não há de se falar em culpa quando surgem complicações dependentes da condição clínica da paciente.

Interposto recurso de apelação, o tribunal de origem deu-lhe provimento, por maioria, por entender que o médico foi imprudente ao não adotar as cautelas necessárias. O profissional de saúde foi condenado a pagar R$ 10 mil por ter havido a possibilidade de evitar o dano, apesar da inexistência de nexo causal direto e imediato.

No recurso especial, o médico sustentou que tanto a prova documental quanto a testemunhal produzida nos autos não respaldam suficientemente o pedido do marido e demonstram, pelo contrário, que o profissional adotou todas as providências pertinentes e necessárias ao caso.

De acordo com o ministro Uyeda, “para a caracterização da responsabilidade civil do médico por danos decorrentes de sua conduta profissional, imprescindível se apresenta a demonstração do nexo causal”. Ele deu parcial provimento ao recurso para julgar improcedente a ação de indenização por danos morais.

Fonte: STJ - Coordenadoria de Editoria e Imprensa

ICMS sobre a TUSD em energia solar é tema infraconstitucional, decide STF

  O Supremo Tribunal Federal (STF), por unanimidade, definiu que a discussão sobre a incidência de ICMS sobre a Tarifa de Utilização do Sist...