sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Reforma trabalhista

Finalmente, e felizmente, há um fato novo no debate sobre a reforma trabalhista: o

Sindicato dos Metalúrgicos do ABC paulista está propondo que as empresas e os trabalhadores sejam autorizados a negociar a aplicação de direitos previstos em lei em seus respectivos locais de trabalho. Para que os dois lados possam negociar a aplicação da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) haverá duas condições.

Primeiro, a empresa deve reconhecer previamente a representação sindical dos trabalhadores no seu âmbito. Segundo, o sindicato tem de comprovar que representa realmente os trabalhadores da empresa.

Satisfeitas essas duas condições, a nova lei oferecerá garantias e segurança jurídica para que empresários e trabalhadores "reformem" normas específicas, adaptando a sua aplicação às necessidades específicas compartilhadas.

A proposta é fruto da prática de um modelo de relações de trabalho diferente do usual que esse sindicato e as empresas parceiras têm desenvolvido, especialmente nos últimos 15 anos.

Tudo começou há 30 anos, quando surgiram as primeiras comissões de fábrica. Naquela época, o ambiente social e econômico aprofundava o conflito entre trabalho e capital.

A ditadura havia ampliado a distância ideológica entre sindicalistas e empresários. O País tinha taxas de inflação altíssimas, que alimentavam as pautas salariais e produziam impasses nas datas-base.

O Estado - representado pelo Ministério do Trabalho e pela Justiça do Trabalho - era o ator principal na administração dos conflitos trabalhistas. Nos anos 1990, a abertura da economia, o fim da inflação e a reestruturação do sistema produtivo produziram um choque naquele modelo.

No início daquela década, o conflito aberto aprofundou-se. Mas, aos poucos, os dois lados começaram a perceber que precisavam se entender para sobreviver e que a melhor maneira de administrar as suas diferenças seria a negociação direta.

A ideologia não desapareceu, mas passou a ter a companhia do pragmatismo. O autoritarismo das empresas foi substituído pelo diálogo. A partir do final dos anos 1990 e ao longo da primeira década do novo século, um novo modelo de relações de trabalho emergiu no ABC paulista.

A nova relação permitiu que os dois lados pudessem enfrentar diversos momentos difíceis sem rupturas e tem produzido saídas originais e criativas. Os resultados poderiam ser até mais expressivos, não fosse a restrição imposta pela legislação trabalhista.

Em diversas ocasiões, quando trabalhadores e empresas avançaram para além da lei, foram "censurados" pela fiscalização dos Ministérios do Trabalho e da Previdência Social. Algumas empresas foram notificadas e multadas e se viram obrigadas a recuar.

O pior de tudo é que cada inovação acaba produzindo passivos trabalhistas, porque muitos trabalhadores, quando são desligados, vão à Justiça do Trabalho reclamar os seus direitos, que, embora previstos em lei, haviam sido reformatados pela negociação coletiva.

O estágio avançado e maduro das relações de trabalho no ABC mostra que existe uma opção ao modelo atual e que para assegurá-la o País precisa encontrar uma nova base legal para a negociação coletiva.

Os dois últimos presidentes tentaram reformar a legislação, mas não foram muito longe. Fernando Henrique Cardoso introduziu a possibilidade de alterar alguns direitos individuais por meio da negociação coletiva. Luiz Inácio Lula da Silva reconheceu as centrais como entidades sindicais e concedeu-lhes o direito de participar da receita da Contribuição Sindical. Ambas as estratégias foram incoerentes.

Fernando Henrique ampliou o espaço da negociação sem assegurar o seu pressuposto, a representação. Lula, por sua vez, ampliou a representação para cima, sem considerar a má qualidade da representação na base. Nenhum dos dois cogitou de melhorar e ampliar a representação.

O modelo do ABC começa exatamente no ponto em que nenhum dos presidentes tocou: a legitimação da representação no local de trabalho.

As empresas reconheceram o direito de os empregados terem sua representação e o sindicato reconheceu a legitimidade do objetivo econômico dessas empresas.

A partir daí, os dois lados construíram a relação madura de hoje. Para continuar avançando precisam de segurança jurídica e este é o objetivo da proposta.

A nova lei oferecerá às empresas e aos trabalhadores do ABC paulista o respaldo para ajustar a legislação trabalhista às suas necessidades. É possível replicar o modelo no Brasil inteiro? Claro que não, e nem é esse o objetivo dessa proposta.

Os metalúrgicos do ABC paulista sabem que para a grande maioria dos trabalhadores brasileiros a fonte principal e quase única de direitos tem sido a legislação, pois os sindicatos são pouco representativos.

Já para a grande maioria das empresas brasileiras, o diálogo com os trabalhadores ainda é feito por meio do sindicato patronal. Mas já existem muitos casos de diálogo direto entre empresas e trabalhadores.

A nova lei oferecerá segurança jurídica para que essas empresas e esses trabalhadores avancem. É uma estratégia inteligente, pois não ameaça ninguém. Introduz a reforma trabalhista por adesão, apenas para quem a quiser. Empresas e trabalhadores que não se sentirem seguros com a idéia não precisarão adotá-la. Os que aderirem terão autonomia para negociar as condições de trabalho. Mais do que trocar o legislado pelo negociado, substituirão a legislação pela representação.

(*) Professor da ( FEA-USP ), é Presidente da Associação Instituto Brasileiro de Relações de Emprego e Trabalho ( IBRET ).


Fonte: O Estado de São Paulo, por Hélio Zylberstajn (*)

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