O Fundo de Garantia do
Tempo de Serviço é um direito garantido aos trabalhadores desde o ano de
1966, tendo sido acolhido pela CF/88, tornando-se um direito social à
que faz jus todos os trabalhadores regidos pela CLT.
O saldo do
FGTS tem importante papel na vida do trabalhador, é como se fosse uma
poupança forçada, a qual terá acesso quando for demitido, se aposentar,
além de poder ser utilizado na compra da casa própria.
A Lei 8.036/90, que passou a disciplinar o FGTS, substituindo a Lei 5.107/66, dispõe em seu artigo 2° que:
“Artigo
2º O FGTS é constituído pelos saldos das contas vinculadas a que se
refere esta lei e outros recursos a ele incorporados, devendo ser aplicados com atualização monetária e juros, de modo a assegurar a cobertura de suas obrigações”.
Conforme
se observa, a lei foi clara em definir que ao saldo das contas do FGTS
seriam aplicados a atualização monetária, mas seria a Taxa Referencial
um índice apto para recompor a inflação nos preços de bens e serviços?
A lei que trata da TR é a 8.177/91, que em seu artigo1° aduz que:
“Artigo 1° O Banco Central do Brasil divulgará Taxa Referencial (TR),
calculada
a partir da remuneração mensal média líquida de impostos, dos depósitos
a prazo fixo captados nos bancos comerciais, bancos de investimentos,
bancos múltiplos com carteira comercial ou de investimentos, caixas
econômicas, ou dos títulos públicos federais, estaduais e municipais,
de acordo com metodologia a ser aprovada pelo Conselho Monetário
Nacional, no prazo de sessenta dias, e enviada ao conhecimento do Senado
Federal.”
Como se observa, não há qualquer menção a fator
econômico relacionado aos preços e conforme bem leciona Vinicíus Pacheco
Fluminhan.
“(...), fica bem claro que a TR não tinha – como não
tem até hoje – vocação alguma para recompor a inflação nos preços de
bens e serviços de consumo. Tanto é verdade que a Lei 8.177/1991 prevê a
sua utilização para os contratos em geral apenas como índice
eventualmente substitutivo àqueles já adotados pelos contratantes, não
interferindo, assim, no índice eleito como principal pelos contratos.
Assim, repita-se, a TR não nasceu para refletir a inflação.”
[2]
Como
bem observou o ilustre professor Fluminhan, a referida lei não excluiu o
Índice Nacional de Preços ao Consumidor, índice próprio para refletir a
inflação sobre os preços dos bens e serviços.
O FGTS foi
instituído pela Lei 5.107/1966, com duplo objetivo, compensar
financeiramente o trabalhador pela perda do emprego e angariar recursos
para programas de habitação popular, saneamento básico e infraestrutura
urbana.
Para os fins para o qual foi criado, não resta dúvidas de
que a atualização do FGTS deve ser realizada por um índice que
recomponha a perda inflacionária de preços e serviços aos consumidores, a
uma porque possui caráter social, de garantia do trabalhador que perde
seu emprego e necessita deste para recomeçar, a duas porque o saldo do
fundo de garantia é utilizado em programas de habitação popular, fim
este que se encontra intimamente ligado a compra de bens e serviços.
O
STF inúmeras vezes já decidiu que a TR não se presta à correção
monetária, sendo a decisão na ADI 493/DF o marco principal deste
posicionamento e que tem servido de base para as demais:
“Ementa:
Ação direta de inconstitucionalidade. - Se a lei alcançar os efeitos
futuros de contratos celebrados anteriormente a ela, será essa lei
retroativa (retroatividade mínima) porque vai interferir na causa, que e
um ato ou fato ocorrido no passado. – O disposto no artigo 5, XXXVI, da
Constituição Federal se aplica a toda e qualquer lei
infraconstitucional, sem qualquer distinção entre lei de direito público
e lei de direito privado, ou entre lei de ordem pública e lei
dispositiva. Precedente do STF – Ocorrência, no caso, de violação de
direito adquirido. A taxa referencial (TR) não e índice de
correção monetária, pois, refletindo as variações do custo primário da
captação dos depósitos a prazo fixo, não constitui índice que reflita a
variação do poder aquisitivo da moeda. Por isso, não há
necessidade de se examinar a questão de saber se as normas que alteram
índice de correção monetária se aplicam imediatamente, alcançando, pois,
as prestações futuras de contratos celebrados no passado, sem violarem o
disposto no artigo 5, XXXVI, da Carta Magna. – Também ofendem o ato
jurídico perfeito os dispositivos impugnados que alteram o critério de
reajuste das prestações nos contratos já celebrados pelo sistema do
Plano de Equivalência Salarial por Categoria Profissional (PES/CP). Ação
direta de inconstitucionalidade julgada procedente, para declarar a
inconstitucionalidade dos artigos 18, ‘caput’ e parágrafos 1 e 4; 20; 21
e parágrafo único; 23 e parágrafos; e 24 e parágrafos, todos da Lei
8.177, de 1 de maio de 1991. (ADI 493/DF, Órgão Julgador: Tribunal
Pleno, Relator Min. Moreira Alves, J.25/06/1992, Pub.DJ 04/09/1992).”
Como
se observa, o STF já decidiu que a TR não recompõe o poder da moeda,
não servindo, portanto, como índice para fins de correção monetária.
Desta forma, mesmo que a Lei 8.177/91 preveja a TR como índice para correção do FGTS
[3], há uma clara ofensa a Lei 8.036/90, que estabelece que ao saldo do FGTS seja aplicada a atualização monetária.
Não
recompondo o valor da moeda não há que se entender a TR como índice de
correção monetária, conforme entendeu o STF, além do mais, a Lei
8.036/90 é especial em relação ao FGTS.
Analisando os índices da
TR nos últimos anos podemos perceber claramente que a partir de 1999
este índice não refletiu a inflação do período. Se o considerarmos apto a
indicar a inflação teremos a absurda conclusão que em 2012 a inflação
foi de apenas 0,2897%, algo surreal, assim como entender que ainda não
tivemos inflação em 2013.
Já o INPC reflete melhor a inflação,
tendo no acumulado de 2012 chegado a 6,19%, o que deixa claro sua
vocação para recomposição do valor da moeda.
Desde sua instituição
a TR vem diminuindo a cada dia, tendo chegado ao absurdo de não mais
recuperar o valor do saldo do FGTS, como se a moeda não tivesse perdido
valor neste período.
O que se pode concluir com relação à indevida
atualização do FGTS pela TR é que o Governo, através da Caixa Econômica
Federal, operadora do FGTS, tem realizado um verdadeiro confisco do
dinheiro do trabalhador.
Segundo estudos apresentados por
especialistas, a perda pode chegar a 88,3%, o que representa para aquele
trabalhador que se viu inesperadamente demitido uma perda considerável,
assim como para o trabalhador que quis utilizar seu saldo de FGTS para
adquirir sua casa própria e se viu impossibilitado, pois o valor não era
suficiente ou para aquele que teve assumir um financiamento maior em
razão disto.
Por se tratar de um verdadeiro abuso, o direito do
trabalhador de ter esta diferença de volta é latente, sob pena de
enriquecimento ilícito do Governo e da caracterização do confisco,
prática proibida em nosso ordenamento.
Resta a todos prejudicados
buscar via ação judicial a diferença na atualização do FGTS a que têm
direito, mesmo aqueles que já se aposentaram, pois se trata de um
direito social, garantido constitucionalmente e com amparo em decisão do
Supremo Tribunal Federal, que deixou claro que a TR não é índice de
correção monetária.
Espera-se, no entanto, que o Judiciário não se
acovarde e condene a Caixa Econômica Federal ao pagamento das
diferenças na atualização monetária dos saldos do FGTS e leve em
consideração o fato de que não se trata de um enriquecimento por partes
destes litigantes, mas da simples devolução do que lhes é de direito e
que este dinheiro foi utilizado para financiamentos, nos quais a Caixa
foi e é devidamente remunerada.
Fonte: Revista
Consultor Jurídico, 9 de novembro de 2013