quarta-feira, 14 de fevereiro de 2018

Por que a Lei Kandir vai dar o que falar em 2018?

É uma Lei Complementar, n º 87/96, elaborada pelo então Ministro do Planejamento, Antônio Kandir, com o objetivo de desonerar (isentar) do ICMS – Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviço – os produtos (primários e industrializados semielaborados) e serviços exportados.

A CCJC – Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania aprovou dia 29/11/2017 a PEC - Projeto de Emenda Constitucional nº 37/2007, que determina a retomada da cobrança do Imposto, sob o argumento de que, a cada ano, os Estados deixam de arrecadar milhõe$ em recur$os.

O ICMS é um imposto de competência Estadual, e, portanto, a não cobrança desse tributo reflete diretamente nos cofre$ Estaduais e Municipais, uma vez que, 25% da arrecadação desse tributo são repassados aos Municípios com base nos índices de participação apurado pela Secretaria de Estado, de acordo com a Legislação Estadual e Constituição Federal, é claro.

Vamos contextualizar para ficar mais claro:

Em 1996, o Governo Federal, criou a paridade (igualdade) entre o dólar e o real (R$ 1,00 por US$ 1,00), porém, para conseguir essa proeza, teve que diminuir as reservas cambiais (vendeu os dólares que o BR tinha no cofrinho). Com poucos dólares em caixa, o GF traçou uma estratégia para encher os cofres de dólares novamente. E adivinha qual foi essa estratégia? Isso mesmo, a Lei Kandir: retirar a tributação dos produtos primários foi a solução encontrada para tornar a produção primária mais barata, para então os produtos serem oferecidos ao mercado externo por preços baixos, tornando o BR mais competitivo no mercado internacional, por consequência, vendendo mais (produção saindo = dólares entrando). Deu para entender?

A PEC nº 37/2017:

“Revoga a não incidência de ICMS na exportação de produtos não industrializados e semielaborados e estabelece a possibilidade do contribuinte se creditar do imposto pago para efeito de compensação com tributos federais devidos.”.
Conhece a expressão: "fazer caridade com o chapéu alheio"?

Pois bem, foi exatamente o que aconteceu. O Governo Federal retirou a obrigação de pagamento do ICMS sobre os produtos e serviços de exportação, mas quem perdeu receita (deixou de ganha $$$) com a isenção foram os Estados (e Municípios por repasse).

O texto da Lei º 87/1996, determina que o Governo Federal compense aos Estados (repasse dinheiro aos Estados) pela perda da cobrança do tributo, contudo não regulamentou a forma dessa compensação. Alguns Estados dizem que não receberam essa compensação, que esse repasse nunca ocorreu, outros dizem que receberam até 2004, uma vez ou outra, mas que o valor desse repasse era feito ao “bel-prazer” do Governo Federal.

Em dez/2016, em uma ADI proposta pelo Estado do Pará, o STF – Supremo Tribunal Federal concedeu ao Congresso o prazo de um ano para que regulamentasse o montante mensal e a forma de compensação aos Estados. Na mesma ação, no final de 2017, a Advocacia Geral do Estado de MG, alertou o STF para o fim do prazo concedido e requereu que diante da inércia do Congresso o TCU – Tribunal de Contas da União fixasse os valores a serem repassados. Veremos!
E o que o Produtor Rural tem a ver com tudo isso?

Teoricamente, a briga deveria ser apenas entre os Estados e a União (Governo Federal), afinal de contas, foi a União que por 22 anos deixou de repassar os valores para compensar a isenção concedida pelo Governo Federal, mas adivinha quem está no meio? Sim, os produtores rurais e demais produtores de materiais primários (leia-se minérios).

Ocorre que, os Executivos Estaduais (principalmente do Pará e Minas Gerais, pois são grandes exportadores de minério) pleiteiam, não apenas o repasse dos valores em atraso a título de compensação, mas requerem a revogação da Lei Kandir, ou seja, a volta da cobrança do ICMS sobre todos os produtos e serviços exportados (primários e industrializados semielaborados).

E então você me questiona: Isso é bom ou ruim?
Vai depender do seu ponto de vista (Estado).

Argumentos sem ordem de preferência:

1 - Manter a Lei Kandir = Manter a isenção:

Porque seria bom?

Mantém a economia do País equilibrada (você não está nem aí para a economia? Lembre-se de quando faz compras no mercado);
Mantém as cadeias produtivas e o desenvolvimento regional, principalmente, no interior do País (maquinários, insumos, pequenas empresas, prestadores de serviços...);
Porque seria ruim?

Menos dinheiro para os Estados (e Municípios por repasse) (ao menos diretamente);
Desestímulo à criação de um polo industrial Nacional.
Em suma: Isenção do ICMS = Exportar mais para alguns é sinônimo de equilíbrio econômico e recuperação de crises financeiras sucessivas, e para outros é sinônimo de não desenvolvimento interno.

2 - Revogar a Lei Kandir = Retornar a cobrança:

Porque seria bom?

Mais dinheiro para os Estados (e Municípios por repasse) (ao menos diretamente);
Exportar menos forçaria o Brasil a desenvolver um polo industrial, ou seja, transformar a matéria prima dentro do País, sem mandar para o exterior (vender para a indústria nacional paga-se imposto, vender para a indústria internacional não se paga imposto);
Porque seria ruim?

Instabilidade econômica, novo cenário de crise Nacional;
Falência do Agronegócio brasileiro, a exportação se tornaria inviável, por consequência, extinção de cadeias produtivas com alto índice de desemprego;
Em suma: Cobrança do ICMS = Exportar menos para alguns é sinônimo de dinheiro $$ no bolso dos Estados e Municípios, para outros é sinônimo de mais uma crise financeira no cenário Nacional.

São apenas alguns exemplos Senhores, e como vemos, há argumentos bons e ruins para todos os lados.

Em minha modesta opinião, a extensão do território brasileiro inviabiliza adotar uma das posições como verdade absoluta, por lógico, cada Estado vai julgar a situação de acordo com a sua realidade. É aquela velha estória (princípio): Tratar os iguais na medida da sua desigualdade.

Colocar todos no mesmo “balaio” vai dar ruim Legislador!

Tramitação da PEC:
A PEC está pronta para ser deliberada no plenário do Senado Federal, em primeiro turno, onde precisa da aprovação de 60% dos parlamentares (49/81). Em sendo aprovada em primeiro turno a PEC passará por um segundo turno de aprovação sob os mesmos termos. Dessa deliberação podem surgir 3 (três) situações:

1ª. Plenário pode sugerir mudanças: A votação é suspensa, a PEC volta para a CCJC com as modificações sugeridas para nova apreciação;

2ª. Plenário pode rejeitar: A PEC é deixada de lado e somente poderá ser discutida no próximo ano;

3ª. Plenário pode votar favorável: Se novamente 60% dos parlamentares votarem favorável à PEC, será convocada sessão para a promulgação da Emenda Constitucional.

Senhores, não quero influenciá-los a um juízo de valor, quero influenciá-los ao interesse pelos assuntos legislativos (e agrários), pois precisamos “estancar as aberrações jurídicas” que saem das casas legiferantes que disseminam insegurança, e não há outra forma, senão conhecendo e firmando posição antes que seja tarde demais (uma andorinha só não faz verão)!

quarta-feira, 7 de fevereiro de 2018

Dispensa do reconhecimento de firma e autenticação de cópias

O plenário da Câmara Municipal de Porto Alegre iniciou ontem (5), a discussão de projeto de lei apresentado pelo vereador Ricardo Gomes (PP) que dispensa o reconhecimento de firma e a autenticação de cópia dos documentos expedidos no país que sejam destinados a fazer prova em órgãos e entidades da Administração Municipal, Direta e Indireta de Porto Alegre.

Conforme a proposta, caso venha a haver dúvida fundamentada quanto à autenticidade poderá então ser exigido o documento original ou a cópia autenticada. Dessa forma, se for aprovada a matéria, os cidadãos ficarão dispensados de fazer prova documental nos órgãos e entidades citados.

O projeto de lei também defende “o estabelecimento de diretrizes a serem observáveis pelos órgãos e pelas entidades da Administração Municipal, Direta e Indireta, nas relações entre si e com os usuários dos serviços públicos, sendo consideradas a presunção de boa-fé; o compartilhamento de informações, sempre que possível, nos termos da lei e de sua regulamentação”.

Se virar lei municipal, haverá “uma atuação integrada e sistêmica na expedição de atestados, certidões e documentos comprobatórios ou semelhantes; a racionalização de métodos e procedimentos de controle; e a eliminação de formalidades e exigências cujo custo econômico ou social seja superior ao risco envolvido”.

Na justificativa da proposta, o vereador Gomes esclarece que “atualmente o Brasil se encontra na 125ª posição, entre 190 países, no Índice de Facilidade de se Fazer Negócios, elaborado anualmente pelo Banco Mundial”.

O parlamentar ainda refere que, em alguns dos quesitos do relatório da instituição financeira internacional, como “abertura de empresas” (176º), “obtenção de alvarás de construção” (170º) e “pagamento de impostos” (184º), o Brasil fica entre os últimos do ranking, atrás de países como Uganda, Gana, Sri Lanka e Tadjiquistão.

“Na prática é mais fácil abrir uma empresa em locais em guerra civil como a Síria e a Faixa de Gaza do que no Brasil”, ironiza ele.

Gomes explica ainda que o projeto visa instrumentalizar e efetivar a aplicação do conceito de presumível de boa-fé aos procedimentos diários do serviço público municipal de Porto Alegre. “A presunção de boa-fé é princípio geral de direito universalmente aceito, sendo milenar o brocardo: a boa-fé se presume; a má-fé se prova”, afirma.

O vereador arremata que “a medida proposta de imediato reduz custos cartoriais e processuais de todos os trâmites realizados em órgãos e entidades públicas do Município de Porto Alegre”.

Fonte: Espaço Vital

Auxílio-moradia para todos

A autoridade 1 acorda. Vira-se, ergue-se na cama e dá um leve beijo na testa da autoridade 2, que murmura, se remexe e acaba também por despertar.

Autoridade 1 se levanta, desliga o ar-condicionado da suíte do casal, espaço privado C, e segue para o banheiro, espaço privado D. Aqui, 20 graus; lá fora, espaço público, começa um dia com 32 graus. À tarde, serão 42 graus, com sensação térmica de 45, e 70% será o índice de umidade do ar.

Autoridade 1 toma uma ducha no boxe, espaço privado E.

Autoridade 2 vai até a cozinha, espaço privado B, onde trabalhador 1 dá bom-dia enquanto prepara a mesa do café na sala, espaço privado A. Logo mais, ambas autoridades sairão pela porta da sala, seguirão pelo corredor, outro espaço privado, e pegarão o elevador em direção à garagem, onde outro trabalhador os aguarda no carro de vidros blindados escuros e ar-condicionado a 19 graus, outro espaço privado, mas que se desloca pelo espaço público. Eles veem, mas sem serem vistos.

1 e 2 recebem auxílio-moradia, no valor total de R$ 8.600. No gabinete, espaço de edifício público de acesso controlado A, o ar-condicionado de 30.000 BTUs desregulado bate, às vezes, a medida de 17 graus, consumindo eletricidade com voracidade, acima da previsão da fábrica e das agências reguladoras, chegando à média mensal de cerca de 900 kw/h, e quase R$ 300 por mês, só naquele aparelho.

Na hora do almoço, quando a temperatura já alcançou 45 graus, o carro, com 21 graus agora, por causa das trocas térmicas, leva 1 e 2 para encontro com outras autoridades em restaurante, espaço privado comercial A, que tem controle climático na faixa dos 23 graus, para evitar que a comida esfrie rapidamente, e adega que conserva impecavelmente mais de 150 rótulos de vinho. São 16 graus para os tintos e 8 para os brancos.

Neste bairro, cidade A, o metro quadrado está avaliado em R$ 22.700. Se as janelas do restaurante não tivessem cortinas seria possível ver o céu, planeta 3, onde nuvens carregadas irão despejar mais tarde, às 16h47m, precipitação acima da média pluviométrica mensal, 150 mm, criando inundações pontuais. As autoridades decidirão encerrar o expediente mais cedo, com temor de ficarem presas no carro, na rua. Conversaram sobre solidariedade no almoço. Sobre como as críticas ao auxílio-moradia procuram abalar a moral do Judiciário, poder 3, e prejudicar o combate à corrupção. Por meio de suas agremiações de classe, instituição 12, viriam a se manifestar. A conta foi R$ 637,45. Uma das autoridades, gentil, pagou tudo.

N. J. Habraken, arquiteto e teórico, estuda os modos de organização dos espaços públicos e privados, e seus níveis de separação e interação, com o objetivo de formular soluções mais flexíveis para a habitação coletiva. Um dos grandes problemas das moradias feitas pelo Estado é a ausência de níveis de transição do público para o privado. Assim, a porta da sala dá direto no espaço comum, ficando a sala menos privada do que deveria ser, e o coletivo menos participativo. A produção em massa de habitações, por motivos de economia e escala, cria barreiras e controle, tirando a capacidade de sentir pertencimento. Consequentemente, perde-se o desenvolvimento de um espaço individual, reflexivo, crítico e criativo.

Não há lar sem posse emocional do espaço. Não há mente sã sem lar e proteção. Suas formulações mudaram a qualidade das produções públicas de moradias na Holanda, contribuindo para individualidades mais plenas e melhores cidades. Dimensões conectadas.

Fica claro que a Lava-Jato começa a confrontar seu próprio espaço âmago. Resultará saber se Ícaro sobreviverá. Nunca se tratou de guerra entre o bem e mal, mas entre o menos ruim e o pior. Os privilégios do Judiciário precisam ser enfrentados.

Do mesmo modo, há urgência de termos campanhas jogando luz sobre nossa cultura de corrupção condicionada em pequenos hábitos. Chegar atrasado é fractal de malas de dinheiro. Também precisamos combater, por meios legais, a exclusão. A Constituição impera sobre o espaço público e o privado. Diz ela nos princípios fundamentais, artigo 1º, “a dignidade da pessoa humana”, e, no artigo 2º, “erradicar a pobreza e a marginalização, e reduzir as desigualdades sociais e regionais”.

Políticas públicas que efetivem preceitos constitucionais precisarão de políticos. Ninguém acima da lei. Ninguém abandonado na rua. O Judiciário precisa mirar as causas dos problemas. Precisamos de autoridades pedestres, que convivam com a temperatura da sociedade, que conheçam a vida coletiva no espaço público. Não populistas, mas populares. Que consigam formular e implementar soluções para a vida real, quente e úmida. Que seus intelectos possam privilegiar a sociedade. Não a si mesmos.

Ou então, façamos logo o auxílio-moradia para todos, a começar pelos meninos e meninas que dormem ao relento, espaço público. Pois se são os pagadores de impostos que provêm os meios para auxiliar as autoridades, que pelo menos as crianças possam contar com seus R$ 4.300, cada uma, mesmo compartilhando a mesma cama de papelão, no mesmo “domicílio”.

Afinal, são potenciais futuros juízes. Não são? O que são então?

* * *
(*) Artigo originalmente publicado no jornal O Globo. Washington Fajardo é arquiteto e urbanista; desde 2015, é conselheiro no Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Rio de Janeiro; criador da WAU Agência Urbana; articulista dos jornais O Globo e El País Brasil.

ICMS sobre a TUSD em energia solar é tema infraconstitucional, decide STF

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