Advogados foram surpreendidos por uma nova estratégia do Tribunal Superior do Trabalho (TST) para impedir recursos ao Supremo Tribunal Federal (STF). A Corte tem multado em 10% do valor da causa as partes que recorrem de decisões do TST para o Supremo, por meio do chamado agravo de instrumento.
O TST justifica que a penalidade só é aplicada quando os recursos têm a intenção de protelar uma decisão final da Justiça. Os advogados, porém, alegam que todos os agravos são tratados da mesma forma e que não há mais como recorrer ao STF. A multa foi aplicada pela primeira vez no dia 12 de abril a sete agravos.
A partir daí, começou a ser aplicada em bloco pela Corte trabalhista. Entre abril e junho deste ano, foram 654 multas. Os valores arrecadados são destinados à outra parte da ação - quase sempre aos trabalhadores.
Diversas reclamações foram ajuizadas no Supremo contra as multas aplicadas aos agravos e a impossibilidade de se recorrer das decisões do TST. Os próprios ministros do STF, porém, entendem que não é cabível ajuizar reclamações sobre o tema, e determinam que o TST julgue os casos, mas na forma de agravo.
O resultado, portanto, é um círculo vicioso entre os tribunais. Na opinião do presidente do TST, o ministro Milton Moura França, ao devolver os agravos à Corte trabalhista, o Supremo sinaliza, apesar de não negar provimento explicitamente, que não está aceitando os recursos.
Recursos para acesso ao STF - Analisados pela vice presidência do TST
Mês de Janeiro Admitidos 0 Negados e sobrestados 13 Total 13
Mês de Fevereiro Admitidos 3 Negados e sobrestados 3.077 Total 3.080
Mês de Março Admitidos 3 Negados e sobrestados 1.890 Total 1.893
Mês de Abril Admitidos 0 Negados e sobrestados 1.511 Total 1.511
Mês de Maio Admitidos 1 Negados e sobrestados 2.574 Total 2.575
Mês de Junho Admitidos 0 Negados e sobrestados 1.875 Total 1.875
Total Geral Admitidos 07 Negados e sobrestados 10.940 Total 10.947
De acordo com o ministro, a multa é aplicada porque há um abuso do direito de recorrer, em situações em que a parte sabe que não terá sucesso, que a matéria é infraconstitucional e não tem repercussão geral.
"O direito de recorrer é sagrado, mas não se pode permitir abusos que sobrecarregam o Judiciário, impedem o trânsito em julgado dos processos", diz Moura França. Segundo ele, a multa é aplicada em sentido pedagógico, para desestimular o uso de recursos que não têm possibilidade de prosperar no Supremo.
Após a aplicação dessas multas, segundo o ministro, houve muitos pedidos de desistência de agravos. "Só estamos aplicando a orientação do Supremo", diz Moura França. Segundo ele, se houver algum equívoco na decisão do TST é possível ainda ajuizar embargos de declaração que serão julgados novamente pelo Órgão Especial. "Mas se não constatarmos equívoco, a parte será multada novamente."
Dentre os advogados que atuam no TST, o clima é de inconformismo. O advogado Daniel Chiode, do escritório Demarest e Almeida, por exemplo, teve que arcar com 12 multas. De acordo com ele, há casos de decisões diferentes, uma pelo provimento do agravo e outra negando seguimento, em recursos idênticos, e também equívocos na identificação de matéria constitucional. "É preciso melhorar a triagem dos recursos no TST", diz Chiode.
"O tribunal negou seguimento em agravos que contêm matérias idênticas as que já foram julgadas pelo Supremo", confirma o advogado Ronaldo Ferreira Tolentino, do escritório Ferraz dos Passos Advocacia e Consultoria, que sofreu cerca de cinco multas do TST.
Na opinião do advogado Maurício Correa da Veiga, do Palermo Castelo & Correa da Veiga Advogados, a prática do TST contraria o artigo 544 do Código de Processo Civil (CPC), segundo o qual o agravo de instrumento deve ter seguimento e não pode ficar "trancado" no tribunal em que foi originado, e também vai contra a Súmula nº 727 do STF.
O texto determina que os agravos sempre serão processados. "O TST está usurpando a competência do Supremo", diz Veiga. Uma das preocupações de Veiga é que os Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs) também passem a "trancar" os agravos que devem ser submetidos ao TST. "O grande absurdo é o cerceamento do acesso ao Judiciário."
Contexto
O sistema recursal que tem gerado as multas em processos trabalhistas é complexo e causa um vaivém de pedidos entre o Tribunal Superior do Trabalho (TST) e o Supremo Tribunal Federal (STF). Após uma decisão final do TST, em recurso de revista, as partes podem levar o caso ao STF.
Para isso, é preciso apresentar um recurso extraordinário, que é analisado pelo vice-presidente do TST, ministro João Oreste Dalazen. Só é julgado pelo Supremo processo que discute matéria constitucional e que tenha status de repercussão geral - relevância jurídica, política, social ou econômica.
Quando se constatam essas duas condições, a Corte trabalhista admite o recurso. Se for verificada apenas a questão constitucional, o caso pode ficar sobrestado - com o andamento suspenso -, aguardando uma decisão do Supremo.
O problema vem ocorrendo na hipótese de o TST não admitir o recurso. Nesse caso, é possível ajuizar um agravo de instrumento, que antes era analisado pelos ministros do Supremo.
A Corte, em razão da sobrecarga de processos, decidiu que o TST é quem deve julgar esses agravos. Ao analisá-los, no entanto, o tribunal tem decidido - muitas vezes de forma unânime - pelo não provimento e aplicado a multa de 10% sobre o valor corrigido da causa, em proveito da parte contrária.
Fonte: Valor Econômico, por Luiza de Carvalho, 06.09.2010