O áspero bate-boca entre os ministros Joaquim Barbosa e Ricardo
Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal, que encerrou precocemente a
última sessão plenária do julgamento do Mensalão, na quinta-feira,
intrigou os advogados dos réus e os demais integrantes da corte. Não que
o antagonismo e as rusgas entre os dois magistrados, que ocupam o papel
de relator e revisor do Mensalão, respectivamente, seja novidade. O que
chamou a atenção foi a virulência com que Barbosa tentou impedir o
colega de tribunal de discorrer sobre a possibilidade de aplicar-se uma
legislação mais branda na definição da pena dos mensaleiros condenados
por crimes de corrupção. A reação pareceu — e foi — desmedida. Mas
também é fato que a intervenção de Lewandowski pouco tinha de inocente.
Após a confusão, o site de VEJA ouviu de dois ministros da corte e de
advogados envolvidos no julgamento a mesma avaliação: Barbosa
identificou na conduta de Lewandowski uma tentativa de preparar terreno
para aliviar a pena de réus centrais do esquema, mais precisamente a
cúpula do PT no auge do Mensalão. A briga começou porque Barbosa acusou
Lewandowski de tentar usar um embargo de declaração — recurso destinado a
esclarecer eventuais omissões ou contradições na sentença — para
reabrir um tópico do julgamento. O questionamento foi apresentado pelo
réu Bispo Rodrigues, que era deputado federal do extinto PL (hoje PR) na
época do escândalo. Rodrigues foi condenado por corrupção passiva e
lavagem de dinheiro — seis anos e três meses de prisão. Ele questiona o
fato de ter sido condenado por corrupção passiva com base na Lei 10.763,
de 2003, que prevê penas mais altas para corrupção. O argumento do réu é
que o acordo financeiro firmado entre o PT e o PL ocorreu em 2002,
quando estava em vigor uma legislação mais branda para crimes de
corrupção. Questionamentos sobre qual lei contra a corrupção deve ser
aplicada nas condenações aparecem nas peças de defesa do trio petista.
Uma mudança no entendimento assentado pela corte no acórdão poderia
representar, no mínimo, um ano a menos de cadeia para José Dirceu e
Delúbio Soares. No caso de José Genoino, a sentença final poderia ficar
abaixo dos seis anos de reclusão em regime semiaberto. “Para quem foi
condenado, um ano faz muita diferença”, diz o advogado Luiz Fernando
Pacheco, que defende Genoino no Mensalão. Para Pacheco, que também
questiona o uso da lei mais severa no apenamento do ex-presidente do PT,
o crime de corrupção ativa se consolida na promessa ou oferta de
vantagem indevida, e não no efetivo pagamento da propina aos
mensaleiros. “O tribunal entendeu que a corrupção se exaure na
promessa”, afirma o advogado. Por esta tese, seria irrelevante se e
quando corruptor e corrupto receberam os benefícios que pretendiam. O
debate sobre a lei de corrupção ocorre porque, em novembro de 2003, uma
nova legislação entrou em vigor, ampliando as penas para corruptos e
corruptores para intervalos de dois a doze anos. Os advogados de defesa
alegam que os acordos para a distribuição de recursos no esquema
criminoso teriam acontecido antes da vigência desta lei e, portanto, sob
o guarda-chuva de uma norma mais benéfica (com penas de um a oito
anos). Na próxima quarta-feira, o plenário do STF vai retomar a
discussão sobre a lei de corrupção que deve ser aplicada no julgamento
do mensalão. Além de dar continuidade à análise do recurso do
ex-deputado Bispo Rodrigues, os ministros prevêem julgar recurso do
advogado Rogério Tolentino, ex-braço direito do operador do Mensalão,
Marcos Valério. No recurso, a discussão é exatamente a mesma. A partir
de agora, as discussões levarão em conta dois aspectos: 1) o fato de o
delito de corrupção ser formal e se consumar instantaneamente com a
simples solicitação ou promessa da vantagem, independentemente do
efetivo recebimento da vantagem; 2) se deve ser aplicado no caso do
mensalão a súmula 711 do STF, que estabelece que se aplica a lei mais
severa se a participação criminosa se estendeu no tempo e se uma parte
dos crimes ocorreu na vigência da lei mais grave.
Fonte:VideVersus