Por maioria, a 8ª Câmara Cível do TJRS autorizou adoção póstuma, reconhecendo a vontade inequívoca do falecido em adotar a enteada com a qual estabeleceu filiação socioafetiva. Os magistrados determinaram, ainda, a destituição do poder familiar do pai registral, que abandonou por completo a filha, autora da ação. Deverá ser anotado no registro de nascimento da adolescente o nome e sobrenome do falecido, em substituição ao do pai biológico.Representada pela mãe, a menina apelou ao TJRS contra a sentença, que julgou improcedentes a adoção e a destituição do poder familiar. No recurso, sustentou que o pai biológico apenas a registrou, sem nunca prestar auxílio material ou emocional. O relator do recurso, desembargador José Trindade, referiu que, a partir de um ano de idade, a menina passou a conviver com o novo companheiro da mãe que posteriormente transformou-se em esposo da genitora. A convivência com a menor durou três anos, quando ele morreu. A menina também era dependente dele junto ao INSS. Para o magistrado Trindade, a adoção póstuma é possível quando demonstrada a inequívoca vontade dos adotantes, mesmo que falecidos antes do ajuizamento da ação. Na mesma linha votou o desembargador Claudir Faccenda.O julgado salientou entendimento do desembargador Rui Portanova, em caso análogo, referindo que a justificativa para essa interpretação é a relevância conquistada pelas relações socioafetivas que se instauram no seio familiar, “fazendo com que o rigorismo formal seja abrandado em face da prevalência dos interesses tutelados, quais sejam: o superior interesse da criança e sua identidade enquanto filho dos pretensos adotantes, identidade essa que tem relação direta com sua personalidade e seu referencial de indivíduo na sociedade.” O advogado Eduardo Carvalho Vieira atuou em nome da autora da ação. Cabem embargos infringentes. (Proc. nº 70025857533).
Detalhes do caso
* O relator destacou estar comprovado que o falecido havia manifestado vontade em adotar a filha da sua esposa, “o que só não fez ante a sua muito prematura morte por acidente.” Quando ele morreu aos 21 anos, atropelado, a menina tinha quatro anos. * Há provas no processo denotando a condição do estado de filha, porque a menina foi criada como tal. O fato é confirmado pela sucessão dele, representada pela sua genitora, e também por outras testemunhas. A menina também foi reconhecida como dependente junto ao INSS para receber pensão por morte, na qualidade de filha. * O primeiro estudo social concluiu que "a menina não seria beneficiada com o deferimento da adoção, pois trocaria um pai biológico desidioso por outro já falecido". Entretanto, no relatório desse estudo constou que a autora do processo percebe o falecido como seu pai. Já o segundo estudo social apontou que durante a convivência de ambos, ele sempre foi muito amoroso com a enteada, fazendo com que ela ficasse muito apegada.
Destituição familiar
Segundo o desembargador José Trindade, o pai biológico, quanto à filiação, procedeu somente ao registro do nascimento. “Simplesmente sumiu da vida da filha, tendo sido citado por edital, e só foi encontrado por estar cumprindo pena em razão de sentença criminal condenatória”. Ele não só concordou com a destituição do poder familiar, como também revelou que o término do vínculo familiar “está ótimo.”
Divergência
O desembargador Alzir Felippe Schmitz negou provimento ao recurso da menina, mantendo a sentença do juiz José Antonio Daltoé Cezar, do Juizado da Infância e da Adolescência de Porto Alegre, que julgou improcedentes os pedidos de adoção póstuma e destituição do poder familiar do pai biológico, feitos pela menina (representada por sua mãe).