Artigo de Ascânio Seleme, jornalista. Texto originalmente publicado na edição impressa de O Globo, em 18.01.2018
Bem antes de ser condenado pelo juiz Sergio Moro, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva já havia perdido na Justiça, quatro vezes e em duas instâncias, em um processo relativo ao tríplex do Guarujá. No segundo semestre de 2015, Lula entrou com uma ação na Justiça do Rio contra três jornalistas de O Globo, os repórteres Cleide Carvalho e Germano Oliveira, e o autor destas linhas, na época diretor de redação do jornal. O ex-presidente queria receber uma indenização por danos morais porque os repórteres escreveram, e o diretor publicou, matéria jornalística afirmando que ele era dono do citado imóvel.
Atendendo orientação de seus advogados, Lula entrou com a ação contra os jornalistas, e não contra o jornal que publicou a reportagem. Uma medida absolutamente fora dos padrões aparentemente desenhada para intimidar. O Globo sequer foi relacionado como corréu na ação. Apesar disso, foi o departamento jurídico do jornal que contratou um escritório de advocacia para defender e afinal ganhar a causa aberta pelo ex-presidente.
Na ação defendida pelos advogados Roberto Teixeira e Cristiano Zanin Martins, Lula pedia que os jornalistas pagassem a ele indenizações mínimas individuais de R$ 22 mil por danos morais, porque "os réus agiram de má-fé com a intenção de difamar e injuriar o autor". O jornal havia publicado matéria informando que o doleiro Alberto Youssef tinha dado dinheiro à empresa que construíra o prédio em que estava o tríplex de Lula. A empresa era a OAS.
A audiência de Lula com os jornalistas aconteceu na sala da 48ª Vara Cível do Rio, no dia 2 de dezembro de 2015. Coincidentemente no mesmo dia em que Eduardo Cunha recebia e dava prosseguimento ao pedido de impeachment da ex-presidente Dilma. Lula reclamou do mau tempo no Rio e disse que seu avião não conseguiu aterrissar no Santos Dumont e acabou descendo no Galeão. O juiz Mauro Nicolau Junior perguntou em que companhia ele tinha voado, que "se fosse pela Gol, que tem um equipamento especial para estas horas, ele teria pousado bem no Santos Dumont". Lula enrolou e não respondeu.
O ex-presidente estava com um ar cansado e bebia muita água. A certa altura, quando pediu ao juiz uma terceira garrafa, Lula perguntou se tinha mais água. O juiz disse que obviamente havia mais água, o quanto ele quisesse, e ouviu o autor da ação dizer que estava mal-acostumado porque São Paulo atravessava a fase mais aguda de um longo racionamento. Foi um ano de poucas chuvas, e os reservatórios estavam no volume morto.
Lula disse: "Lá em casa, meritíssimo, tenho tomado banho de balde, que a Marisa já deixa dentro do box do chuveiro". Desta vez foi o juiz que nada respondeu.
A sentença foi proferida duas semanas depois. O juiz Mauro Nicolau Junior fez considerações sobre a ação em 21 páginas. E nas últimas 15 linhas definiu as razões que o levaram a julgar improcedente a ação de Lula contra os três jornalistas. Sumarizando, o juiz entendeu que a matéria tinha "um claro objetivo informativo" e não trazia "qualquer teor de crítica" que sustentasse o pedido de indenização ao ex-presidente.
Mauro Nicolau Junior afirmou que o fato de "haver investigações criminais em curso sobre as obras do edifício em que o autor tem unidade (...) não deve passar despercebido pela imprensa". Ele acrescentou que os jornalistas têm sim "o direito, mais do que isso, o dever de noticiar tais fatos, desde que devidamente embasadas as suas afirmações e apresentadas as versões dos envolvidos, o que é observado na matéria jornalística tratada neste processo".
Ao julgar improcedente a ação, o juiz condenou o autor da denúncia a pagar as custas processuais, a taxa judiciária e os honorários advocatícios dos defensores, que arbitrou em R$ 2 mil para cada um dos réus. Lula, obviamente recorreu ao Tribunal de Justiça. Em outras duas decisões, a 14ª Câmara Cível do TJ rejeitou por unanimidade uma apelação, um embargo de declaração e dois recursos, um especial e um extraordinário movidos por Lula contra os três jornalistas.
Em 14 de setembro de 2016, a 14ª Câmara negou provimento à primeira tentativa de reabrir o caso, aprovando o relatório do desembargador Gilberto Guarino. No dia 19 do mês seguinte, o relator indeferiu também embargos de declaração apresentados pelos advogados de Lula. E, finalmente, em 23 de janeiro do ano passado, o desembargador Celso Ferreira Filho negou seguimento aos recursos apresentados pela acusação.
"O mero inconformismo não autoriza a reabertura de matérias já apreciadas e julgadas".
fonte: www.espacovital.com.br