Dois dias depois de nova ofensiva da Polícia Federal que, ostensivamente usou algemas para prender 32 pessoas em Mato Grosso e outros Estados, o Plenário do Supremo Tribunal Federal aprovou, ontem (13), a Súmula Vinculante nº 11, consolidando jurisprudência da Corte no sentido de que o uso de algemas somente é lícito em casos excepcionais e prevendo a aplicação de penalidades pelo abuso nesta forma de constrangimento físico e moral do preso. O Tribunal decidiu, também, dar a esta e às demais súmulas vnculantes um caráter impeditivo de recursos; ou seja, das decisões tomadas em tribunais inferiores, com base nesse entendimento, não caberá recurso.A nova súmula ficou assim redigida: "só é lícito o uso de algemas em caso de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado".A decisão de editar a súmula - afinal oficializada seis dias depois - foi tomada pelo STF no último dia 7, durante o julgamento do habeas corpus nº 91952. Na ocasião, o Plenário anulou a condenação do pedreiro Antonio Sérgio da Silva, pelo Tribunal do Júri de Laranjal Paulista (SP), pelo fato de ter ele sido mantido algemado durante todo o seu julgamento, sem que a juíza-presidente daquele tribunal apresentasse uma justificativa convincente para o caso.Uma curiosidade só veio a público um dia depois: sem saber, o vice-presidente do STF, Cezar Peluso, criticou em público a própria filha, a juíza Glaís de Toledo Piza Peluso, chamando-a de "inexperiente". Fora essa magistrada quem, em 2005, determinara que o réu ficasse algemado durante todo o julgamento em que, o réu, afinal, recebeu pena de 13 anos e seis meses.No mesmo julgamento do dia 7, a Corte decidiu, também, deixar mais explicitado o seu entendimento sobre o uso generalizado de algemas, diante do que considerou uso abusivo, nos últimos tempos, em que pessoas detidas vêm sendo expostas, algemadas, aos flashes da mídia.A súmula consolida entendimento do STF sobre o cumprimento de legislação que já trata do assunto. É o caso, entre outros, do inciso III do artigo 1º da Constituição Federal; de vários incisos do artigo 5º da mesma CF, que dispõem sobre o respeito à dignidade da pessoa humana e os seus direitos fundamentais, bem como dos artigos 284 e 292 do Código de Processo Penal, que tratam do uso restrito da força quando da realização da prisão de uma pessoa.Além disso, o artigo 474 do Código de Processo Penal, alterado pela Lei nº 1.689/08, dispõe, em seu parágrafo 3º, que "não se permitirá o uso de algemas no acusado durante o período em que permanecer no plenário do Júri, salvo se absolutamente necessário à ordem dos trabalhos, à segurança das testemunhas ou à garantia da integridade física dos presentes".Na sessão desta quarta-feira, o ministro Marco Aurélio, relator do HC 91952, levou sua proposta de texto da súmula ao Plenário, e a versão definitiva acabou sendo composta com a colaboração dos demais ministros. Assim, foi incluída no texto do verbete a punição pelo uso abusivo de algemas e também a necessidade de que a autoridade justifique, por escrito, sua utilização.
Opiniões*
O procurador-geral da República, Antonio Fernando Souza, lembrou que o controle externo daautoridade policial é atribuição do Ministério Público, função esta, segundo ele, ainda não devidamente compreeendida pela sociedade. O procurador-geral lembrou que, muitas vezes, um agente policial tem de prender, sozinho, um criminoso, correndo risco. Lembrou, também, que é interesse do Estado conter a criminalidade e disse que, para isso, é necessário utilizar a força, quando necessário.* O ministro Cezar Peluso reconheceu que o ato de prender um criminoso e de conduzir um preso é sempre perigoso. Por isso, segundo ele, "a interpretação deve ser sempre em favor do agente do Estado ou da autoridade".* O presidente do STF, ministro Gilmar Mendes, disse que a súmula tem basicamente o objetivo de evitar o uso de algemas para exposição pública do preso. "A Corte jamais validou esta prática, que viola a presunção da inocência e o princípio da dignidade humana", afirmou.